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dezembro 13, 2012

Crítica: 'Moorise Kingdom' é uma fábula que reflete a vida adulta com olhar infantil

Descoberta da sexualidade pelo olhar criativo de Wes Anderson



Cada vez mais chamando atenção na indústria cinematográfica, Wes Anderson tem tudo para construir uma carreira cada vez mais sólida em Hollywood. Desde que caiu nas graças da crítica com o cômico e um pouco esquisito Os Excêntricos Tenenbaums (The Royal Tenenbaums, 2001) e, mais tarde, com o hilário O Fantástico Sr. Raposo (Fantastic Mr. Fox, 2009), o diretor vem imprimindo seu estilo em outras obras e agora chega bem perto de uma perfeição, sem abandonar suas características (estilo de filmagem, direção de arte marcante, efeitos visuais cômicos, roteiro cheio de recortes incríveis, entre outros) com Moonrise Kingdom (2012). 

O longa é uma aventura fantasiosa sobre a transição para adolescência que tem um olhar infantil - como de praxe no universo próprio do diretor - que denota diversas conexões com a realidade. Conta a história de amor entre os jovens Sam (Jared Gilman), escoteiro fugido do acampamento regido pelo comandante Ward (Edward Norton), com a jovem Suzy (Kara Hayward) - que não muito diferente, vive numa ditadura em casa com os pais, interpretados por Frances McDormand e Bill Murray. Tudo ocorre na fictícia ilha New Penzance em 1965.

Tanto Suzy quanto Sam vivem dilemas semelhantes e o destino os unem um belo dia - o filme guarda essa surpresa com um flashback surpreendente - e se apaixonam. Como um bom conto de fadas, Suzy é uma jovem introvertida, que não suporta a vida na casa de bonecas da família - Anderson intensifica essa imagem utilizando uma direção de arte absurdamente fantasiosa, cartunesca, incrementando ferramentas hilárias como o megafone que a mãe utiliza para chamar os moradores da casa para almoçarem e os enquadramentos que aumentam o cenário contrastando com os pequenos indivíduos. Sua salvação está no solitário Sam, que sofre bullying no acampamento de escoteiros e está cansado disso. Uma forma para despertar e ensinar disciplina e coragem em jovens, é perceptível como as crianças do longa são precoces em diversos âmbitos, porém, volte e meia deixam escapar alguma reação infantil sobre a vida.

Em uma vertente mais triste e melancólica, estão os adultos da história. Todos vivem uma vida medíocre, de frustração, com vigilância constante nas crianças para, como mais pra frente um diz, "é nosso trabalho evitar que cometam erros mais perigosos". Quando Sam e Suzy fogem - há uma boa referência ao Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994) com um mapa tampando o buraco na parte de dentro da barraca de Sam (repetindo o clássico erro) - todos os adultos se mobilizam, além dos jovens escoteiros (esses como se fossem policiais, até armados) e muito vai se entendendo na reação conservadora e violenta diante o fato. Os pais de Suzy vivem no ostracismo, assim como o policial da região vivido por Bruce Willis - logo é revelado que tem um caso com a mãe de Suzy (provavelmente mais um dos motivos das mágoas da jovem). A grande vilã é cruel como seria na visão de qualquer criança, a servente social vivida por Tilda Swinton.

A impressão que se tem, é que em Moonrise Kingdom, a realidade apática da vida já tomou conta de todos adultos da região. Estes, isolados numa ilha tediosa, vivendo de regras tolas e patéticas como se pode levar em consideração o treinamento de escoteiros da forma como é mostrado. Coube às crianças, com toda sua sede de viver e contornar os problemas da maneira que melhor entendem: fantasiando o máximo possível e, mesmo sem ter ideia do que se trate, buscando o amor, até se casando - a única fuga que eles tem como referência ao redor. Ultrapassando territórios no mapa, contornando e expandindo seus horizontes em outras regiões. Pintando num quadro a imagem de uma vida melhor, utilizando um binóculo para enxergar mais longe - mas sem se dar conta disso, achando que é um instrumento de super poderes. Descobrindo a sexualidade. Suzy fez o que a mãe não teve coragem, fugiu. Sam divide uma cerveja com o personagem de Willis, esse que solta uma verdade para o garoto, "você é provavelmente mais inteligente do que eu".

O roteiro deixa claro nesse tom de fábula cômica, mas que no fundo reflete uma vida entorpecida e pessimista do que são os pais e filhos numa realidade mais próxima da nossa. Os valores ensinados são abstratos, sem nenhuma profundidade do que é a vida real. Os mitos e lendas são exaltados, para depois serem desconstruídos de uma maneira cruel, impondo regras e a violência. Responsabilidade e infância se confundem. Assim como a descoberta confusa da sexualidade e a necessidade de seguir modos como adultos, mesmo não sendo ainda.

O universo fantástico de Wes Anderson dá inúmeras vidas aos seus protagonistas, que numa realidade, seria uma tragédia sem precedentes. É uma maneira original e poética de refletir sobre a vida, que apenas com os traços de um diretor criativo, conseguiu fazer uma obra prima que parece ser tão simples, mas que tem muito à dizer. É em uma vertente um pouco longínqua, tão emocionante quanto Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006), mas com um brilho próprio e, ainda, visualmente contado de forma mais interessante. 

Trailer:



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