A menina Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) é o que pode se chamar de heroína dos tempos modernos, só que em uma vertente primitiva após um apocalipse. Mas diferente dos heróis dos quadrinhos, Hushpuppy não veste uma capa e nem possui poderes extraordinários. Suas armas são os instintos de sobrevivência ensinados pelo pai. Suas características são o uniforme necessário: os cabelos que remetem à um filhote de leão selvagem, a garra de comer o que geralmente uma garota civilizada não comeria e ainda seu olhar tão forte e ligeiramente triste o fazem de sua figura uma guerreira. Em Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild, 2012) tudo é primitivo, até sua heroína.
Curioso se falar em primitivo em um filme que se passa nos dias de hoje, mas sim são seres humanos que não se adequaram à modernização e estão fadados a morrerem em lugares já esquecidos pelo planeta. Contando a história de sobrevivência da filha com o pai (Dwight Henry), o longa faz uma reflexão dos maiores temores dos novos tempos: o aquecimento global. Utilizando esse vilão como plano de fundo, o longa entra no âmago do que é a vida. A real vida. O ser humano sem casa, sem ruas, sem prédios e sem medicina. É o animal que nasce como qualquer outro e precisa se impor para sobreviver. É a importância da mãe para suprir uma carência afetiva, é o animal indomável que não deveria se conformar com a civilização dopada e encaixotada que lhe é oferecida - e em troca despedaça o seu planeta.
Em a Indomável Sonhadora, o diretor Benh Zeitlin não economiza nas metáforas e simbolismos para contar a história quase documental. Durante a jornada, Hushpuppy tem sua própria caverna, da qual, ela espera que no futuro cientistas encontrem seus desenhos que contam sua história (as pinturas rupestres). Em outro momento, o fim do mundo, intercalando uma tempestade e o derretimento de geleiras apresenta-se os vilões. Bestas gigantes estão vindo na direção dos sobreviventes do apocalipse e são o maior temor da jovem - o medo de perder o pai. O centro de refugiados que remete à civilização artificial, oferecendo drogas no melhor estilo Admirável Mundo Novo.
Ao fugirem de lá, ela tem um momento de afeto materno em um bordel (assim como as mulheres de lá por um momento sentem seu instinto materno aflorado) - destaque ao enquadramento do diretor dá aos decotes (alusão à amamentação) e a cabeça das crianças encostadas no colo. A garotinha que clama pela mãe o tempo inteiro, como se fosse um filhote desesperado desprendido dos pais. O choro sofrido de pai e filha que remete ao fim das barreiras emocionais que foram postas durante tudo a transição e ensinamento da jovem. É uma catarse que tem como melhor referência o excelente A Estrada.
Indomável Sonhadora é um diamante, único, singelo e valioso, mas que se encontra no seu estado bruto, com as características que aos olhos de muitos, é uma sujeira agressiva, insignificante e confusa. Mas é ali que está o que é mais interessante. Uma analise crua do ser humano como ele é ao nascer e que em tempos apocalípticos deve se preparar para a sobrevivência. Tal vilão pode não demorar muito para chegar à civilização, mas por enquanto está em áreas mais pobres, abandonadas. Entretanto, seus moradores se veem como elemento único do glorioso universo e importantes para a sustentação daqueles lugares - se não fossem eles destruindo as barreiras, o lugar teria morrido de vez. A morte encontrou o pai da garota, mas ela estava pronta para enfrentar as bestas e com cabeça erguida e, agora, está pronta para a próxima batalha, como uma heroína destemida, pura, indomável e sonhadora.
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