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agosto 16, 2013

Crítica: 'Círculo de Fogo' traz muita ação e pouca história - em néon

Ficção científica recicla histórias de monstros e robôs da cultura pop 


Hollywood tem chegado em um momento embaraçoso para si mesma. Enquanto roteiros geniais estão engavetados em escritórios dos grandes estúdios, pelo frequente medo de arriscar alto e amargar prejuízos - apesar de consultores acertarem com frequência - outros apostam em fórmulas batidas e orçamentos milionários (cada vez mais próximo do meio bilhão) que ganham aval de executivos e ainda assim, de vez em quando, não despertam um pingo de interesse do público. Círculo de Fogo (Pacific Rim, 2013) foi uma das maiores provas do ano, e além de provar o pouco apresso do público de casa com o longa, mostrou um interesse cada vez maior de uma audiência em ascensão: o resto do mundo.

O filme conta história de uma grande ameaça alienígena que brota das vísceras da Terra, onde foi aberto um grande portal superando a barreira tempo e espaço que a conecta com uma civilização pronta para destruir tudo - se apoiando em gigantescos monstros (Kaiju)  - e assim tomar conta do planeta. Com o passar do tempo e a evolução tecnológica, o governo e empresas privadas se juntaram para a construção de robôs gigantes (Jaegers) que lutam "mano a mano" com os Godzillas. Apesar da aparência "Transformers", essas máquinas de combate são controladas pelo humanos, geralmente, dois pilotos que também são exímios lutadores. Com a consciência compartilhada com a máquina e entre eles mesmos - no melhor estilo A Origem (Inception, 2010) - eles possuem uma capacidade de unir o melhor das armas, mas também a humanidade necessária para vencer os monstrengos.

A direção de Guillermo del Toro, que cada vez mais tem conquistado respeito na indústria norte-americana, trabalhando como produtor em diversos longas, sendo que recebeu convites para dirigir O Hobbit, O Homem de Aço e até, o ainda inédito, Star Wars VII, tendo recusado todos esses. Mas então aceitou esse desafio. Desafio, pois, não tem nenhum grande astro (apenas atores conhecidos de seriados) e ele dividiu a produção com o interessado mercado oriental - o filme se passa em Hong Kong e possui como protagonista uma japonesa. O diretor mexicano, que mostrou uma grande capacidade criativa com a fábula O Labirinto do Fauno (2006), parece ter entregue o jogo nessa produção "made in USA" para o resto do mundo. Apesar de se tratar de um blockbuster, daqueles com regras e formato definido (bem didático e fácil), poucas cenas que não são ligadas com ação realmente transparecem uma característica autoral. São situações retratadas com pouco aprofundamento que se apoiam em personagem estereotipados - o jovem americano rebelde e herói, o negro como exemplo de conduta e liderança (no lugar de um presidente), a oriental que preza pelo máximo de respeito, além dos cientistas e pesquisadores esquisitos e cômicos (um grande deboche para a ciência).


Por outro lado, a parte técnica é quase irretocável. Os combates entre os gigantes é excepcional, assim como a fotografia e a direção de arte. As cores são o grande trunfo que fazem Círculo de Fogo possuir uma identidade única, em meio a tantos filmes de robôs e ataques alienígenas. Desde o design das máquinas, até mesmo as mechas azuis da protagonista, tudo se torna relevante para deixar o filme marcante visualmente. O néon contrasta nas várias cenas noturnas, que está desde nos letreiros da cidade sendo destruída, detalhes dos monstros e até mesmo no painel de controle das máquinas. A trilha sonora também é muito bem intercalada marcando a tensão (apesar de mais uma vez se ouvir as trombetas de A Origem). Uma cena marcante - provavelmente a mais tensa e que percebe-se todo o talento do diretor - é quando se entra no subconsciente de Mako (Rinko Kikuchi). Ela, criança, se vê no meio do ataque de um monstro e a sua salvação por um dos robôs, o que lhe ocasionou um trauma, mas também um respeito pelo seu chefe (Idris Elba). A cena, excepcional, destoa de todas outras mais barulhentas e agitadas.

Círculo de Fogo é um filme ousado no sentido se oferecer entretenimento sem se apoiar em um grande astro - tática que volte e meia dá certo, basta lembrar de Avatar (2009) -, mas também no sentido de se passar fora do EUA - o que pode justificar o seu fracasso por lá. Porém, é uma obra que se aproveita apenas do que mais tem de superficial da realidade apresentada. Não vai a fundo em questões como o impasse do governo pelo projeto - esse acha que construindo paredões iria frear a ação dos monstros -, nem mesmo nas diferenças culturais, tudo acaba caindo no mesmo lugar, o EUA salvando o mundo e ficando com a mocinha no final (é tão infantil, que o sexo se dissolve em uma cena de luta cheia de tensão sexual subjetiva, além do protagonista aparecer bastante sem camisa). Os clichês irritam constantemente, assim como o clímax final, em uma tumultuada cena no fundo do oceano. Apesar dos equívocos, Hollywood tem se dado bem enxergando lucro em outros continente, que aceita sua fórmula cada vez mais misturada de gêneros e a diversão quase infantil para agradar a todos. Pena que o cinema é tratado dessa forma, afinal, Godzilla sempre foi apresentado como uma metáfora ao ataque dos Estados Unidos contra o Japão, mas hoje é referência para um filme com roteiro banal e pouco marcante , da qual, busca lucro nessas redondezas. Curioso, não?

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