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dezembro 29, 2012

Crítica: férias com 'Valente', 'ParaNorman' e 'Frankenweenie'

Algumas das melhores animações de 2012

Não dei muita atenção as animações neste ano. Perdi nos cinemas a terceira parte de Madagascar, série que gosto bastante, o último filme da Pixar, Valente - que tem toda sua credibilidade - e outras produções mais alternativas como Piratas Pirados, ParaNorman e o mais novo do Tim Burton, uma extensão de um curta que ele lançou anos atrás, Frankenweenie. Agora com mais calma, e perto da temporada de prêmios, corri atrás dos mais importantes até então. Fica como dica pra quem busca qualidade e diversão ao mesmo tempo. Segue um pequeno comentário sobre eles:

  • 'Valente' retrata princesa que luta contra seu destino


Quando a Pixar fechou o acordo com a Disney, ela sabia que o que estava dando certo até então era uma vertente em oposição do legado de Walt Disney e, consequentemente, suas princesas. Desta forma, havia espaço para tudo, carros, brinquedos, peixes, robôs e ratos, menos para contos de fadas. Sentindo que estava sendo deixada de lado, a Disney lançou A Princesa e o Sapo e, em um âmbito mais direto, Enrolados. Se foi pressionada ou não, a Pixar aproveitou a deixa sobre a temática medieval de Como Treinar o Seu Dragão, animação surpresa da DreamWorks Animations (sua principal rival), então desenvolveu Valente (Brave, 2012).

Fazendo uma analogia com a posição do estúdio que renegava a nova obrigação com a empresa que a comprou, a princesa Merida luta contra seu destino que é um casamento arranjado e se portar como princesa. Sua criação - seu favoritismo pelo paternal é explícito - a permitia se sentir mais livre como uma guerreira, desbravadora. Quando sua mãe a obriga aceitar um destino diferente, é que Merida escolhe lutar ainda mais e busca meios obscuros para tal. O receio de se tornar sua própria mãe, faz Merida buscar na feitiçaria uma maneira de mudar sua mãe, e assim seu destino. O resultado é perturbador. A jovem guerreira então passa por uma jornada, da qual, deve compreender e conviver com o monstro que tanto a perturba, refletido na figura da mãe transformada.

Infelizmente, o filme mesmo com tantos significados e uma parte técnica incrível, peca na falta de aventura, ficando aquém de Como Treinar o Seu Dragão, sem a mesma dose de emoção dos filmes anteriores da Pixar, vamos esquecer Carros 2, e o contexto glamouroso das princesas da Disney. Ou seja, uma aventura épica pode ter sim uma história tão profunda como a de Merida, porém, deixa à desejar no que a temática tem o melhor à oferecer: mundos extraordinários e uma aventura mais colorida e fantasiosa. A Pixar bem que tentou criar sua própria princesa, e mesmo que a pressão seja contrária, ela devia seguir olhando pra frente, sempre.  

  • Divertida e engraçada, 'ParaNorman' é a animação surpresa do ano

Da mesma produtora dos ótimos 9 e Coraline, ambos de 2009, ParaNorman (2012) estreou sem muito sucesso de bilheteria (chegando à US$ 100 milhões mundialmente, contra US$ 60 milhões de custo), mais aos poucos vai ser firmando nas temporadas de prêmios. A animação em stop motion, apresenta um visual tão caraterístico e obscuro, como os outros dois produtos citados, só que agora é acrescentado uma história maior, mais divertida e que facilmente cai no gosto de crianças e adultos.

O filme conta a história de Norman, um jovem curioso, fã de filmes de terror, e que tem o dom de ver fantasmas. Obviamente, essa peculiaridade não é bem vista pelas pessoas ao redor, principalmente na escola, onde ele sofre constante bullying. Sua vida muda, quando ele recebe a missão de um tio, que pede à ele para reverter a maldição secular de uma terrível bruxa. Com percalços no caminho, Norman não consegue chegar à tempo, e então mortos ligados à maldição ganham a vida como zumbis e passam a aterrorizar a cidade. Com ajuda de um amigos, que rouba a cena todo o momento, sua irmã e o interesse amoroso dela, Norman vai fazer de tudo para eliminar a maldição dos zumbis e da bruxa.

Interessante ver como a cidade em que se passa a história remete à uma realidade comum. Norman é esquisito, gótico, enquanto sua família é completamente diferente, sua irmã segue um estereótipo de patricinha, e tem o irmão do amigo gordo e nerd, que é o atlético desmiolado. Sabe-se que o high school norte-americano segue esse caminho à risca. Por ser diferente, Norman é perseguido como se estivesse nos tempos da inquisição, numa analogia fantástica. O que é diferente, dá medo e faz seus moradores terem receio de conviverem com o rapaz. A boa técnica permite uma melhor caracterização e resultado é brilhante. A sátira da vida pós moderna, onde julgar é a principal diversão (vide os tempos de concursos de calouros e reality shows), ParaNorman serve como uma reflexão velada e com uma lição de moral tocante e atual. A boa surpresa do ano, mesmo que visto por pouca gente.  


  • Tim Burton homenageia clássicos do terror e ficção científica com a animação 'Frankenweenie' 


Adaptado de um curta dos anos 80, umas das primeiras experiência de Tim Burton com cinema, Frankenweenie (2012) é um dos bons filmes lançados recentemente por ele, após uma leva de produções imprudentes como o remake de A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005) e Alice no País das Maravilhas (2010). Nem mesmo outra animação no mesmo estilo dele próprio e em stop motion, A Noiva Cadáver (2005), conseguiu repetir a qualidade do roteiro de clássicos feitos por ele, como Peixe Grande e suas histórias maravilhosas (2003) e o principal, que deu origem ao seu estilo, consagrando sua veia gótica e crítica da sociedade suburbana: Edward Mãos de Tesoura (1990).

Em vários sentidos, Edward é sugado nessa nova aventura que conta a história de Victor que depois da morte de seu melhor amigo, o cão Sparky, decide ao melhor estilo Frankenstein, reviver o animal. Curioso como o filme que estava predestinado a fazer uma releitura do maior clássico de filmes de terror com monstros, conseguiu se sobressair ainda como uma nova reflexão sobre o subúrbio, uma crítica ao ostracismo e acomodação física e mental dos moradores, passando pela ignorância científica - a fala do professor depois de demitido por ser acusado de ensinar absurdos na escola, mas na verdade apenas estava falando de ciência é cruel, mas verdadeira. O renomado astrônomo Carl Sagan já dizia que as escolas americanas não davam mais valor aos alunos estudiosos em comparação aos atletas.

Em contrapartida, os pais do rapaz são esclarecidos e apoiam o garoto à fazer tanto esportes, quanto estuda ciência. Assim como ParaNormanFrankenweenie fala sobre o medo com o diferente, o preconceito, porém, acima de tudo é uma história sobre o luto e sobre superá-lo. O filme tem uma parte técnica impressionante, e teve um resultado ainda melhor que o curta de origem. Burton acrescenta homenagens a vários filmes de gêneros diferentes, mas no mesmo sentido fantasioso - tem gremlins, godzilla e o já citado Frankenstein, que é a base da história e serve para traçar um paralelo com a história, afinal, o filme de terror clássico não tem como mote uma história sobre solidão e amizade? O resultado é uma diversão mais contida, só que sem deixar de ter seus grandes momentos. 

dezembro 27, 2012

Crítica: 'Boardwalk Empire' termina temporada em alto nível

Realmente não existe meio gangster...


O final da segunda temporada de Boardwalk Empire, foi mostrada a face mais sombria do protagonista Nucky Thompson (Steve Buscemi). Sem hesitar, ele tirou a vida de Jimmy (Michael Pitt), da qual, mantinha um laço emocional e familiar que foi testado, quando o jovem rapaz se voltou contra Nucky. O fato chocou e balançou as estruturas da série que estava parada, sem grande ritmo e um protagonista sempre ofuscado por coadjuvantes. Eis que então, para criar novos conflitos e fazer uma oposição maior à Nucky, foi escalado Bobby Cannavale - que já tinha ressuscitado outra série fadada ao ostracismo, Nurse Jackie - e agora tinha a missão de acordar a região de Atlantic City em meados do século 20. A terceira temporada terminou no último domingo (23) na HBO Brasil e guardou boas emoções.

O personagem de Cannavale, Gyp Rosetti, é um antagonista bem violento que consegue arrancar ainda mais de Nucky seu lado mais sombrio. A disputa territorial entre os gangsteres foi o principal arco da temporada.  Rosetti consegue travar uma guerra brutal com o dono do império e, logo, muito sangue e derramado. Algumas cenas são de virar o estômago. Até no sexo Gyp se expressa de maneira altamente brutal. Por outro lado, os coadjuvantes ainda chamaram atenção mesmo após a morte de Jimmy.

A esposa de Nucky, Margaret (Kelly McDonald) começa a ansiar por uma liberdade prematura num momento onde as mulheres não tem voz ativa. Tenta sem sucesso emplacar aulas de orientação sexual para mulheres em um hospital e, também sem sucesso, arranja um amante com sonhos de fugir. Se nos anos 60, como Mad Men mostra a libertação sexual da época, é compreensível e triste ver as derrotas de uma mulher tão forte para esse tempo ainda tão distante. Em outra vertente, Margaret ainda conhece de perto a faceta terrível de Nucky numa cena em que assiste o marido recitando seu ódio aos inimigos para seus comparsas, após a explosão no píer da cidade. Nucky, em contrapartida arranjou uma amante ligada ao teatro e se envolveu com a moça.

Outros personagens tiveram suas histórias contadas e cada um guardou uma grande cena demonstrando as qualidades do elenco: Gillian, mãe de Jimmy (Gretchen Mol) transformou a mansão do falecido Comodoro em um bordel de luxo. Incorporou um luto pelo filho, da qual, possuíam um relacionamento incestuoso e conseguiu um corpo para o desaparecido rapaz (os meios para isso guardaram bons momentos e que mais a frente mostrariam como ela faz de tudo para defender o que é seu). Enquanto isso, o veterano de guerra Richard Harrow (Jack Huston) é o fiel cão de guarda dela e do filho de Jimmy. Apaixona-se, mas não consegue controlar seus impulsos violentos - que no final da temporada se conectam de forma brilhante com a guerra entre os chefões da máfia.

Eli (Shea Whigham), irmão de Nucky, foi libertado e teve o seu perdão. Owen (Charlie Cox) se transformou no amante da esposa de Nucky e seu braço direito, infelizmente não teve tempo pra muita coisa, mesmo que seu personagem estivesse crescendo e deixando nas entrelinhas intenções ambíguas em relação ao chefe. Van Alden (Michael Shannon), o ex-agente federal caído em desgraça, segue tentando viver como um pacato civil, porém, a suja cidade sempre encontra uma forma de contaminá-lo. Ele começa comercializando ferro de passar roupa, mas como uma fera, se revolta contra sua patética situação. Termina comercializando álcool. Seu caminho se cruza com Al Capone (Stephen Graham), que junto com outras gangues: Lucky Luciano (Vincent Piazza), Rothstein (Michael Stuhlbarg) e O’Banion (Arron Shiver) se organizaram para conquistar novos territórios, além de começarem a trabalhar com uma nova droga: a heroína.

Apesar de expandido, o universo da série segue fixado às suas raízes, e o cenário principal ainda é Atlantic City - palco de uma explosão, tiroteios e, como todos sabem, o império de Nucky. A corrupção ganhou mais destaque e assim todos os envolvidos com a lei seca no congresso. A série trilhou seu caminho mesmo que não muito original, mas que conseguiu prender a atenção com ótimas atuações e um roteiro bem elaborado. Boardwalk Empire termina sua terceira temporada e a pergunta que fica é: qual o próximo passo de Nucky?

dezembro 23, 2012

Crítica: 'O Impossível' faz retrato emocional de tragédia

Longa mostra destruição de tsunami sem apelar



Uma das maiores catástrofes naturais dos últimos tempos que ocorreu em 26 de Dezembro, há oito anos, demorou ganhar um filme sobre. Provavelmente porque as imagens feitas por turistas nas região, denunciavam todo o terror do tsunami que atingiu a região da Indonésia, dando uma real noção do absurdo que foi presenciar tal evento - e ainda estão vivas na memória. O longa O Impossível (The Impossible, 2012) tem como base a tragédia, mas foca em uma família sobrevivente.

O filme conta a história de Maria (Naomi Watts) e Henry (Ewan McGregor), casal que foi passar férias com seus três filhos na paradisíaca região. Dois dias depois, num belo e ensolarado momento, eles estão na piscina celebrando a vida, até que sem qualquer aviso, ondas gigantes chegam com força do mar - que está bem próximo dali. Sem tempo para qualquer tipo de reação, eles são tragados pelas ondas e, a partir daí, suas vidas viram um pesadelo.

Se apoiando em um fato verídico, o maior trunfo do filme é utilizar tal informação para condensar situações que poderiam ser taxadas como meramente absurdas e mentirosas, e impressionar. Até o título do filme faz alusão à isso. Uma manobra certeira, já que Hollywood ainda não havia buscado uma forma de tratar o tema em um grande filme desastre - o mais próximo disso foi em Além da Vida (Hereafter, 2010) e em outra vertente, não causado por um terremoto, em O Dia Depois de Amanhã (The Day After Tomorrow, 2004).

Com uma visão criativa do diretor espanhol Juan Antonio Bayona, que tem no currículo o acima da média O Orfanato (El Orfanato, 2008), o drama ganha contornos se apoiando na emoção e chocando com uma realidade impressionante - por vezes a sensação é estar assistindo um documentário. Os efeitos visuais, que reconstroem o acontecimento são incríveis e passam uma naturalidade desconcertante. Assim como a maquiagem e as locações. Sem apelar para exageros, o longa não dá um passo fora de seu foco nos protagonistas. O desencontro da família, o estado físico, o drama com alguns sobreviventes ao redor - tudo é contado de forma linear, criando novas emoções com reencontros e união entre desconhecidos - como a cena em que emprestam o celular ao patriarca da família - tudo é milimetricamente bem contado como de praxe no gênero.

Sem cansar, o roteiro ainda guarda um belo flashback de um dos momentos cruciais sobre a personagem de Naomi Watts - que inclusive rouba a cena - editada em câmera lenta e acompanhada de uma trilha sonora dramática. São esses pontos que fazem de O Impossível um bom filme, quando a intenção não é nem criticar um país desolado numa tragédia, mas sim retratar uma bela história de sobreviventes, um caso que pode ser mesmo chamado de "impossível", afinal, milhares de vidas foram perdidas. Além disso, o longa guarda uma mensagem sobre união, otimismo, compaixão, ternura e quebra de preconceitos - incrível a cena em que a mãe é resgatada e cuidada por moradores locais. Uma produção eficiente e esforçada, mas que não chega a ser tão memorável quanto as imagens originais, entretanto, serve para se conhecer exemplos de vidas que passaram, literalmente, por águas conturbadas - renascendo de novo, como o próprio flashback quer dizer.

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dezembro 22, 2012

Crítica: 'As Aventuras de Pi' e a encantadora viagem sobre a vida e a fé

Filme é visualmente perfeito e faz uma eloquente reflexão sobre acreditar em Deus


A vida é como um grande oceano aberto, da qual, cabe a nós enfrentá-lo ou apenas assistir à beira mar. Em As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012), o protagonista Pi Patel (Suraj Sharma) embarca numa viagem não apenas de sobrevivência, mas também de autoconhecimento e amadurecimento. Está preso em dilemas como a crença em Deus e a oposição do ceticismo de seu pai. Como forma metafórica para ilustrar o confronto, Pi está em um barco, perdido em alto mar, com um furioso tigre de bengala dividindo o mesmo espaço. E de forma maravilhosamente contada, As Aventuras de Pi encanta trazendo uma história sobre reflexão da vida e o otimismo de um jovem sonhador.

Apesar de demorar um pouco a desenrolar (o escritor que entrevista Pi adulto deixa claro isso), é após o desastre do navio (uma alusão à dura entrada na tempestuosa adolescência) que leva o jovem Pi à sua verdadeira aventura. O longa toma um caminho cheio de simbolismos e metáforas. Pi é um jovem que busca sua identidade e sua compreensão com o mundo. Escolhe a fé (ele chega participar de três religiões ao mesmo tempo) para se guiar e assim caminhar nas obscuras e nem sempre calmas águas da vida. Como grande elemento de composição do seu caráter, está seu pai, cético e convicto que a ciência é mais importante que qualquer Deus - o papel de desmistificar qualquer fantasia plantada na infância. Quando uma tempestade chega e afunda o navio que levaria a família ao Ocidente, Pi tem colocado à prova suas crenças e está passando pelo delicado luto de perder seus familiares.

A jornada pela sobrevivência é contada de forma simbólica que no fim do filme leva o espectador mais desapegado à uma reflexão sobre a dura realidade em oposição sobre a crença da fé. Uma visão de justiça que a religião tanto prega, como o cristianismo usando Jesus Cristo como exemplo, sempre com uma mensagem construtiva. Uma motivação para ser bom de maneira altruísta. Seja com o próximo ou com animais selvagens. Pi chora ao matar um peixe, respeita uma ilha que queria comê-lo, assim como seu companheiro predador. Chora ao ver Richard Parker (como chama o feroz animal) se afastar sem se despedir - é mesmo triste desapegar da fantasia, de seu "eu" mais raivoso. Entretanto, não culpa seu pai pelo perrengue que passou, e sim o agradece por tudo que ele o ensinou - mesmo que tenha mostrado de forma dura e crua como um tigre é um ser movido por instintos e mata sem pestanejar.

A perda de inocência e o que transforma categoricamente a personalidade de Pi, é uma sangrenta realidade, da qual, humanos e animais se confundem e sua experiência em alto mar, contada na forma de uma fantasia inverossímil, é melhor aceita do que o que possivelmente aconteceu. É como a fé, que soa melhor nos ouvidos do que a possibilidade da vida não ter sentido algum - uma das temíveis questões do jovem. É olhar nos olhos do animal e ver um sinal de humanidade, de paz, mas não poder provar o que viu. Em todos os planos, Pi passa por momentos sofridos, e outros lindos. Como a vida clama dia após dia. E não é que em um desses nuances otimistas, guardava uma armadilha? A ilha que flutuava no oceano tem o formato de um homem deitado - e  silenciosamente, ele não é o maior predador de todos?

Obra de arte visual

Além de uma mensagem reflexiva e um roteiro bem construído - o excesso de didatismo e o começo excessivamente sem ação são um contraponto grave -, o filme é ainda um exemplo grandioso da evolução tecnológica no cinema. Sua história nunca teria a mesma emoção se não fosse a criatividade do diretor Ang Lee que conduz com maestria toda a técnica. Seja na direção de arte, a trilha sonora espetacular, a fotografia, efeitos visuais, edição, som e o 3D que insere o espectador numa experiência rica e única. É como um quadro pintado à mão ilustrando toda a magnificência que apenas a linguagem cinematográfica pode traduzir com som e imagem, além da constante reflexão de boas histórias.

As Aventuras de Pi é um filme honesto, que fala sobre crescer em um mundo cheio de tristezas e cada vez mais obscuro - na adolescência essa visão é ainda mais pesada. A fantasia, a fé, não deixam de ser uma ferramenta de válvula de escape, e a mensagem do longa dá importância que todos precisam acreditar um pouco no impossível, em uma ilusão, para assim manter-se motivado, manter-se forte em momentos difíceis. É uma fábula cheia de sentimentos e que ganha contornos ainda mais belos com uma visão fantástica, surreal. Curiosamente reflete outros filmes mais recentes como Moonrise Kingdom e As Vantagens de Ser Invisível, ambos de 2012. Um invoca o bullying e a melancolia dos pais, enquanto o outro fala sobre um adolescente introvertido e traumatizado. Em As Aventuras de Pi, a essência é a mesma, porém, a vertente da questão espiritual sobressai quando contada de forma tão bela. Reflete a pluralidade de uma singular vida, jovem e corajosa.

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dezembro 17, 2012

Clipe: Biffy Clyro lança vídeo de 'Black Chandelier' e prepara lançamento de sexto álbum

Banda de indie rock apresenta clipe bem produzido


Depois de cinco álbuns de sucesso no cenário indie: Blackened Sky (2002), The Vertigo of Bliss (2003), Infinity Land (2004), Puzzle (2007) e Only Revolutions (2009) - sendo que esses dois últimos foram ainda mais longe conquistando as charts inglesas -, a banda escocesa Biffy Clyro prepara um grande lançamento para o início de 2013. Trata-se do projeto Opposites, que será liberado para venda em 28 de janeiro e consiste em dois discos: The Sand At The Core Of Our Bones e The Land At The End Of Our Toes, além de um DVD com um making off da gravação.

Para divulgar o novo trabalho, a banda lançou em agosto o clipe para a pesada Stingin' Belle e agora o bem produzido Black Chandelier. Confira os dois:




dezembro 15, 2012

Crítica: longo, 'O Hobbit - Uma Jornada Inesperada' diverte com humor genuíno e visual caprichado

Filme remonta a Terra Média vista em O Senhor dos Anéis, relembrando o melhor da saga


Sucesso de bilheteria, somando mais de US$ 2 bilhões pelo mundo, a saga O Senhor dos Anéis também teve o apoio da crítica, fazendo os três longas somarem 26 indicações e 17 vitórias no Oscar e marcou a indústria cultural. O incrível mundo inventado por Tolkien, apostando num realismo fantástico original, cheio de surpresas empolgantes e uma ação agonizante em alguns momentos e com altas doses de humor em outros. Essa caraterística foi muito bem utilizada na trilogia O Senhor do Anéis e, inevitavelmente, O Hobbit o próximo passo, repetindo o efeito. A princípio estava nas mãos do criativo Guillermo Del Toro que assumiria a direção do longa, mas o atraso na produção - ligado à reestruturação da MGM - atrapalhou sua agenda. Antes seriam dois filmes, sendo um adaptando o livro e outro criando uma ponte do a trilogia feita antes. Peter Jackson acabou sendo chamado com urgência e acabou transformando o livro em três filmes, na desculpa que Tolkien escrevera momentos bons, de forma rápida demais.

Sabe-se que J. R.R. Tolkien já imaginava e esboçava o universo de O Hobbit no período em que esteve na Primeira Guerra Mundial em 1916. Mas, a ideia só floresceu de vez quando atuava como professor na Universidade de Oxford em 1928 e rascunhou a frase: "Em um buraco no chão vivia um hobbit, não sabia e não sei por quê." Quase dez anos depois, é publicada a primeira edição de um dos maiores sucessos da literatura mundial, que abriu as portas para uma saga ainda mais famosa e influente: O Senhor dos Anéis. Inevitavelmente, depois de muita espera, o cinema adaptou a saga do anel (três livros/três filmes) e agora estreia com, basicamente, a mesma produção em O Hobbit - Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012). 

O filme conta o início da grande aventura do jovem hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) - visto em O Senhor dos Anéis como tio de Frodo (Elijah Wood). A trama se passa 60 anos antes do acontecimentos ligado ao anel que ele entregou para Frodo. Fã da tranquilidade de sua terra natal, o Condado, a paz de Bilbo se esmaece quando o mago Gandalf (Ian McKellen), o Cinzento, o convoca para uma aventura ao lado de um bando de anões - o mago acredita que o físico e o jeito de hobbit tem seu potencial. A missão é retomar a Montanha Solitária, onde fica o reino Erebor, da qual, o dragão Smaug os expulsou após o tesouro do reinado tomar grandes proporções (atraindo o ser mitológico). Bilbo aceita a proposta em troca de uma parcela do tesouro de Erobor, quando retomada. No caminho se deparam com criaturas como Trolls, Orcs, Gigantes de Pedra - que moram nas altas montanhas - e finalmente, Gollum, a criatura central da saga do anel. Também tem uma passagem no reino dos Elfos, que são aliados - esses que ganharam destaque no longa, preenchendo momentos não explicados no livro.

Por mais que Peter Jackson encontre motivos para estender o filme, e isso não tem nada a ver com o fato de ter dividido o livro em três partes, é impossível não perceber como a trama enrola e se perde em momentos que não fariam maior diferença se fossem menores. Cenas como o jantar na casa do Hobbit e na floresta com os Trolls são demasiadamente longas demais. Tomam como base o humor, porém, o artificio não consegue se sustentar pelos longos períodos. Já outros ganharam uma importância que se justifica como o encontro do Hobbit com Gollum - longo e necessário. No geral, esse desequilíbrio incomoda, já que a ação desenfreada demora à surgir.

Fazendo um paralelo com O Senhor dos Anéis, o filme não sai atrás e promete manter o nível. A parte técnica continua impecável - a caracterização dos anões é fantástica, os efeitos são caprichados - Gollum tem mais expressões ainda (!) -, a direção de arte (fotografia, figurino, cenários) está no ponto, assim como a trilha sonora que ganhou até músicas cantadas - dando uma cara de conto de fadas, intensificando as referências da obra de Tolkien. A primeira parte da trilogia cumpre sua função de emergir novamente na Terra Média, divertindo - é mais família que a trilogia anterior - e com a lição de moral permeando toda a obra, passando mensagens de otimismo, coragem e desmitificando preconceitos. A frase Gandalf para Bilbo, "a verdadeira coragem não é saber quando tirar uma vida, e sim aquela que você decide não tirar", ganha uma preciosa ação mais à frente quando o futuro de Gollum é posto à prova e a ação de Bilbo traça consequências futuras. Fazendo o personagem moldar sua personalidade e justificar a criação de Frodo. Diversão garantida, e é impossível não embarcar nessa nova jornada pela Terra Média, terreno da imaginação fértil de Tolkien.

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dezembro 13, 2012

Crítica: 'Moorise Kingdom' é uma fábula que reflete a vida adulta com olhar infantil

Descoberta da sexualidade pelo olhar criativo de Wes Anderson



Cada vez mais chamando atenção na indústria cinematográfica, Wes Anderson tem tudo para construir uma carreira cada vez mais sólida em Hollywood. Desde que caiu nas graças da crítica com o cômico e um pouco esquisito Os Excêntricos Tenenbaums (The Royal Tenenbaums, 2001) e, mais tarde, com o hilário O Fantástico Sr. Raposo (Fantastic Mr. Fox, 2009), o diretor vem imprimindo seu estilo em outras obras e agora chega bem perto de uma perfeição, sem abandonar suas características (estilo de filmagem, direção de arte marcante, efeitos visuais cômicos, roteiro cheio de recortes incríveis, entre outros) com Moonrise Kingdom (2012). 

O longa é uma aventura fantasiosa sobre a transição para adolescência que tem um olhar infantil - como de praxe no universo próprio do diretor - que denota diversas conexões com a realidade. Conta a história de amor entre os jovens Sam (Jared Gilman), escoteiro fugido do acampamento regido pelo comandante Ward (Edward Norton), com a jovem Suzy (Kara Hayward) - que não muito diferente, vive numa ditadura em casa com os pais, interpretados por Frances McDormand e Bill Murray. Tudo ocorre na fictícia ilha New Penzance em 1965.

Tanto Suzy quanto Sam vivem dilemas semelhantes e o destino os unem um belo dia - o filme guarda essa surpresa com um flashback surpreendente - e se apaixonam. Como um bom conto de fadas, Suzy é uma jovem introvertida, que não suporta a vida na casa de bonecas da família - Anderson intensifica essa imagem utilizando uma direção de arte absurdamente fantasiosa, cartunesca, incrementando ferramentas hilárias como o megafone que a mãe utiliza para chamar os moradores da casa para almoçarem e os enquadramentos que aumentam o cenário contrastando com os pequenos indivíduos. Sua salvação está no solitário Sam, que sofre bullying no acampamento de escoteiros e está cansado disso. Uma forma para despertar e ensinar disciplina e coragem em jovens, é perceptível como as crianças do longa são precoces em diversos âmbitos, porém, volte e meia deixam escapar alguma reação infantil sobre a vida.

Em uma vertente mais triste e melancólica, estão os adultos da história. Todos vivem uma vida medíocre, de frustração, com vigilância constante nas crianças para, como mais pra frente um diz, "é nosso trabalho evitar que cometam erros mais perigosos". Quando Sam e Suzy fogem - há uma boa referência ao Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994) com um mapa tampando o buraco na parte de dentro da barraca de Sam (repetindo o clássico erro) - todos os adultos se mobilizam, além dos jovens escoteiros (esses como se fossem policiais, até armados) e muito vai se entendendo na reação conservadora e violenta diante o fato. Os pais de Suzy vivem no ostracismo, assim como o policial da região vivido por Bruce Willis - logo é revelado que tem um caso com a mãe de Suzy (provavelmente mais um dos motivos das mágoas da jovem). A grande vilã é cruel como seria na visão de qualquer criança, a servente social vivida por Tilda Swinton.

A impressão que se tem, é que em Moonrise Kingdom, a realidade apática da vida já tomou conta de todos adultos da região. Estes, isolados numa ilha tediosa, vivendo de regras tolas e patéticas como se pode levar em consideração o treinamento de escoteiros da forma como é mostrado. Coube às crianças, com toda sua sede de viver e contornar os problemas da maneira que melhor entendem: fantasiando o máximo possível e, mesmo sem ter ideia do que se trate, buscando o amor, até se casando - a única fuga que eles tem como referência ao redor. Ultrapassando territórios no mapa, contornando e expandindo seus horizontes em outras regiões. Pintando num quadro a imagem de uma vida melhor, utilizando um binóculo para enxergar mais longe - mas sem se dar conta disso, achando que é um instrumento de super poderes. Descobrindo a sexualidade. Suzy fez o que a mãe não teve coragem, fugiu. Sam divide uma cerveja com o personagem de Willis, esse que solta uma verdade para o garoto, "você é provavelmente mais inteligente do que eu".

O roteiro deixa claro nesse tom de fábula cômica, mas que no fundo reflete uma vida entorpecida e pessimista do que são os pais e filhos numa realidade mais próxima da nossa. Os valores ensinados são abstratos, sem nenhuma profundidade do que é a vida real. Os mitos e lendas são exaltados, para depois serem desconstruídos de uma maneira cruel, impondo regras e a violência. Responsabilidade e infância se confundem. Assim como a descoberta confusa da sexualidade e a necessidade de seguir modos como adultos, mesmo não sendo ainda.

O universo fantástico de Wes Anderson dá inúmeras vidas aos seus protagonistas, que numa realidade, seria uma tragédia sem precedentes. É uma maneira original e poética de refletir sobre a vida, que apenas com os traços de um diretor criativo, conseguiu fazer uma obra prima que parece ser tão simples, mas que tem muito à dizer. É em uma vertente um pouco longínqua, tão emocionante quanto Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006), mas com um brilho próprio e, ainda, visualmente contado de forma mais interessante. 

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dezembro 12, 2012

Crítica: 'Na Estrada' caminha por terreno seguro em adaptação de clássico da literatura americana

Obra de Jack Kerouak é transposta para o cinema de forma competente, mas sem grande emoção


Em uma das cenas de Na Estrada (On The Road, 2012), um dos parceiros de Dean Moriarty (Garrett Hedlund), Carlo Marx (Tom Sturridge) exalta que acordou um dia e se deu conta que Deus não está no céu, mas sim ali com eles, na sujeira. A alma beat que tem como bíblia a obra literária On The Road de Jack Kerouak, lançada em 1957 nos Estados Unidos, exemplifica a experiência de viver, numa busca de si mesmo caminhando aos arredores, sem grandes pretensões e apenas se guiando pelos impulsos e prazeres - seguindo pela estrada. Não interessa a "sujeira". Se ela está ali, então suje-se quando necessário. O maior problema na transposição da prosa quase que abstrata do livro para as telas, é ver essas questões filosóficas tratadas de forma limpinhas demais como assim pede os padrões de Hollywood.

O longa tem como protagonista o jovem Sal Paradise (Sam Riley), que acabou de perder o pai, e busca inspiração para escrever um livro. Ele é apresentado à Dean, um indivíduo que vive intensamente como se seguisse a batida do mais energético jazz. Juntos, eles vão seguindo a estrada da vida, buscando conhecer o caminho que os levará à catarse de viver. A direção ficou a cargo do brasileiro Walter Salles, grande diretor autoral e que tem em seu currículo outra obra no estilo road movie, Diários de Motocicleta (The Motorcycle Diaries, 2004). Salles cumpre sua função com grande perfeccionismo. Os cenários belíssimos são todos das regiões citadas no livro, a direção dos atores é magistral. Porém, quando se tem uma obra tão grandiosa e ao mesmo tempo tão complexa em mãos, é normal que fique complicado mostrar tudo que está ali.

A primeira parte do livro, que mostra Sal se aventurando sozinho até Denver e depois volta para casa é mostrada de forma acelerada, tirando toda importância da primeira viagem do protagonista. É tudo corrido demais, e força a barra para focar no texto mais adiante, da qual, aparecem outros personagens. Mesmo que faça sentido para focar na relação entre os personagens, são pequenos detalhes que fazem da essência do livro ser uma experiência tão rica e grandiosa. Somos o Sal na história, vivendo e observando a vida na estrada. Ele se apaixona, passa fome, trabalha duro. Conhece a dureza da vida de perto. Porém, ao invés disso, parece que o filme não se importa em deixar a reflexão do movimento no ar, apenas ilustrar as cenas principais do livro.

Por isso, o longa tem seus grandes momentos, como a caracterização dos personagens - atores coadjuvantes como Kristen Stewart (Marylou), Kirsten Dunst (Camille) e Elisabeth Moss (Galatea Dunkel), dão um tom correto em contraste com o lado predominante masculino da história. Momentos marcantes como: a viagem ao México, o encontro de todo o grupo - em que se voltam contra Dean - e quando decidem tirar a roupa no meio da rodovia com o carro em movimento. São os grandes e excepcionais momentos e seguem à risca o que é descrito na obra literária. Entretanto, os pensamentos de Sal sobre Dean são condensados de forma resumida, sem grande emoção. E já que o movimento não tinha grande foco, a mensagem do longa pode se perder por um ou outro que não conhece a obra.

A geração que se inspirou, tinha como lema viver intensamente, entorpecido por drogas e sexo. Descobrindo e burlando o sistema que os condenam quando chega a vida adulta - a representação da ausência dos pais é muito clara, como se fosse o abandono daqueles que os criaram, impondo regras e os salvando -, e assim trilhando seus próprios caminhos, tentando preencher o vazio existencial e as lacunas da solidão. Sem pensar nos familiares e amigos (o grande dilema de Sal, que no fim é abandonado sozinho no México por Dean). Uma mensagem de busca pela liberdade que muito se aproxima de Na Natureza Selvagem (Into the Wild) de Jon Krakauer e que virou filme nas mãos de Sean Penn, em 2006. O livro de 1996 conta a história de Christopher McCandless, um jovem que largou tudo para se aventurar pelo Alasca, em busca de si mesmo. On the Road foi sua inspiração, e até hoje é possível perceber como a obra ainda inspira qualquer leitor ávido por saborear a vida. Outro exemplo como Sem Destino (Easy Rider, 1969) segue com paixão essa premissa e transparece a referência.

A qualidade do livro On The Road também é resultado do período em que foi escrito - pós segunda guerra - , e que logo inspirou movimentos maiores como o Hippie e se transformou num signo da contracultura norte-americana. Se faz sentido até nos dias de hoje, isso é graças ao pós-modernismo e a escravidão tecnológica que se vive nos dias de hoje. A sociedade consumista e com um falso ar de liberdade, vendido por grandes corporações monopolistas. Em outra vertente, On The Road é uma obra de significado espiritual, que serve para qualquer um esboçar qualquer entendimento particular. Sua versão cinematográfica até conseguiu captar a essência da mensagem, mas por pouco quase virou um filme correto demais. Faltou embarcar melhor na filosofia de vida dos beats, ou melhor, se sujar mais.

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