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dezembro 12, 2012

Crítica: 'Na Estrada' caminha por terreno seguro em adaptação de clássico da literatura americana

Obra de Jack Kerouak é transposta para o cinema de forma competente, mas sem grande emoção


Em uma das cenas de Na Estrada (On The Road, 2012), um dos parceiros de Dean Moriarty (Garrett Hedlund), Carlo Marx (Tom Sturridge) exalta que acordou um dia e se deu conta que Deus não está no céu, mas sim ali com eles, na sujeira. A alma beat que tem como bíblia a obra literária On The Road de Jack Kerouak, lançada em 1957 nos Estados Unidos, exemplifica a experiência de viver, numa busca de si mesmo caminhando aos arredores, sem grandes pretensões e apenas se guiando pelos impulsos e prazeres - seguindo pela estrada. Não interessa a "sujeira". Se ela está ali, então suje-se quando necessário. O maior problema na transposição da prosa quase que abstrata do livro para as telas, é ver essas questões filosóficas tratadas de forma limpinhas demais como assim pede os padrões de Hollywood.

O longa tem como protagonista o jovem Sal Paradise (Sam Riley), que acabou de perder o pai, e busca inspiração para escrever um livro. Ele é apresentado à Dean, um indivíduo que vive intensamente como se seguisse a batida do mais energético jazz. Juntos, eles vão seguindo a estrada da vida, buscando conhecer o caminho que os levará à catarse de viver. A direção ficou a cargo do brasileiro Walter Salles, grande diretor autoral e que tem em seu currículo outra obra no estilo road movie, Diários de Motocicleta (The Motorcycle Diaries, 2004). Salles cumpre sua função com grande perfeccionismo. Os cenários belíssimos são todos das regiões citadas no livro, a direção dos atores é magistral. Porém, quando se tem uma obra tão grandiosa e ao mesmo tempo tão complexa em mãos, é normal que fique complicado mostrar tudo que está ali.

A primeira parte do livro, que mostra Sal se aventurando sozinho até Denver e depois volta para casa é mostrada de forma acelerada, tirando toda importância da primeira viagem do protagonista. É tudo corrido demais, e força a barra para focar no texto mais adiante, da qual, aparecem outros personagens. Mesmo que faça sentido para focar na relação entre os personagens, são pequenos detalhes que fazem da essência do livro ser uma experiência tão rica e grandiosa. Somos o Sal na história, vivendo e observando a vida na estrada. Ele se apaixona, passa fome, trabalha duro. Conhece a dureza da vida de perto. Porém, ao invés disso, parece que o filme não se importa em deixar a reflexão do movimento no ar, apenas ilustrar as cenas principais do livro.

Por isso, o longa tem seus grandes momentos, como a caracterização dos personagens - atores coadjuvantes como Kristen Stewart (Marylou), Kirsten Dunst (Camille) e Elisabeth Moss (Galatea Dunkel), dão um tom correto em contraste com o lado predominante masculino da história. Momentos marcantes como: a viagem ao México, o encontro de todo o grupo - em que se voltam contra Dean - e quando decidem tirar a roupa no meio da rodovia com o carro em movimento. São os grandes e excepcionais momentos e seguem à risca o que é descrito na obra literária. Entretanto, os pensamentos de Sal sobre Dean são condensados de forma resumida, sem grande emoção. E já que o movimento não tinha grande foco, a mensagem do longa pode se perder por um ou outro que não conhece a obra.

A geração que se inspirou, tinha como lema viver intensamente, entorpecido por drogas e sexo. Descobrindo e burlando o sistema que os condenam quando chega a vida adulta - a representação da ausência dos pais é muito clara, como se fosse o abandono daqueles que os criaram, impondo regras e os salvando -, e assim trilhando seus próprios caminhos, tentando preencher o vazio existencial e as lacunas da solidão. Sem pensar nos familiares e amigos (o grande dilema de Sal, que no fim é abandonado sozinho no México por Dean). Uma mensagem de busca pela liberdade que muito se aproxima de Na Natureza Selvagem (Into the Wild) de Jon Krakauer e que virou filme nas mãos de Sean Penn, em 2006. O livro de 1996 conta a história de Christopher McCandless, um jovem que largou tudo para se aventurar pelo Alasca, em busca de si mesmo. On the Road foi sua inspiração, e até hoje é possível perceber como a obra ainda inspira qualquer leitor ávido por saborear a vida. Outro exemplo como Sem Destino (Easy Rider, 1969) segue com paixão essa premissa e transparece a referência.

A qualidade do livro On The Road também é resultado do período em que foi escrito - pós segunda guerra - , e que logo inspirou movimentos maiores como o Hippie e se transformou num signo da contracultura norte-americana. Se faz sentido até nos dias de hoje, isso é graças ao pós-modernismo e a escravidão tecnológica que se vive nos dias de hoje. A sociedade consumista e com um falso ar de liberdade, vendido por grandes corporações monopolistas. Em outra vertente, On The Road é uma obra de significado espiritual, que serve para qualquer um esboçar qualquer entendimento particular. Sua versão cinematográfica até conseguiu captar a essência da mensagem, mas por pouco quase virou um filme correto demais. Faltou embarcar melhor na filosofia de vida dos beats, ou melhor, se sujar mais.

Trailer:



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