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maio 29, 2013

Crítica: com estética marcante, 'No' retrata um Chile em transição

Filme mostra os último dias da ditadura Pinochet e debate sobre a publicidade


Assim como em diversas regiões pelo mundo, inclusive em quase toda América do Sul, vários países tiveram seus problemas com ditaduras longínquas, com a violência na base de torturas, desaparecimentos e muita opressão com quem pensasse e agisse em oposição ao governo. Se no Brasil durou 21 anos, no Chile a coisa foi um pouco menor (17 anos), porém, segundo registros, até mais violenta. O filme No (Chile, 2012) do diretor Pablo Larraín, indicado ao Oscar 2013 como melhor filme estrangeiro, retrata os momentos decisivos em que uma chance surge contra o líder e general Augusto Pinochet. Com uma estética marcante que reflete o período em que se passa a história (final dos anos 80), No é um filme equilibrado, que não escolhe um lado - o também violento marxismo vigente em outros lugares é discutido - e parte de um foco central, o publicitário René Saavedra (Gael García Bernal).

Depois de dois longas tratando sobre o assunto da ditadura - Post Morten (2010) que foca no golpe de 1973 e Tony Manero (2008), sobre a repressão em 1978 - No parte do momento em que com grande pressão internacional, Pinochet se vê obrigado a realizar um plebiscito em 1988, da qual, os chilenos deveriam votar em Sim ou Não em relação à sua permanência. Como de praxe em eleições, as duas vertentes teriam 15 minutos diários na TV - esta sob o controle do governo. Logo no início conhece-se René, publicitário que trabalha para grandes corporações. Terminava de apresentar uma peça para uma campanha de refrigerantes (curiosamente chamada de Free, seguindo o preceito do capitalismo vendendo a liberdade) que seguia os traços da Coca-cola. Apático em relação ao atual momento político, sem demonstrar qualquer problemas com o governo, René segue sua vida cuidando de seu filho, sozinho - uma boa contradição ao que vende. Eis que recebe a visita de um antigo amigo, comunista, que pede sua ajuda para coordenar a campanha do Não.

A dualidade do protagonista é o ponto forte do longa. René trabalha para a campanha, mas logo é descoberto pelos grandes empresários. Sem medo, segue prestando serviço aos dois, mas começa então a sofrer ameaças do lado "direito". Além, disso seu talento e seu conhecimento sobre o público alvo, ou melhor, o povo, ele decide que o tom da campanha deveria ser alegre, seguindo a ideologia convencional de "comerciais de margarina". Mesmo com objeção de alguns radicais, René consegue aos poucos levar a campanha do Não para o sucesso e também manter seu trabalho com a oposição (o principal cliente dele, é ligado diretamente ao gabinete de Pinochet).

Além de mostrar algumas características que poderiam fazer René um desses radicais esquerdistas - seu pai é um grande conhecido e respeitado pelo partido de esquerda, e sua ex-mulher uma militante - ele segue seu trabalho como prioridade, acreditando fielmente nele. Aceitar a campanha já foi um triunfo, afinal ele tem um cinismo à la Don Draper de Mad Men. Antes de começar qualquer apresentação diz uma simbólica frase: "Antes de mais nada, o que verão a seguir, está marcado dentro do atual contexto social". Irônica,  se tratando de campanhas de futilidade (no sentido em que o capitalismo que vende sua ilusão material), mas ela reflete de maneira bem próxima o que é uma ditadura e seus nuances também ilusórios, baseados no consumismo que garante bem estar às pessoas em contradição com a violência às escondidas. Ao mesmo tempo ele diz muito o que é o atual contexto social, a sociedade de plástico, que quer a mesma experiência que vê dentro dessas peças publicitárias. Tais nuances são levados ao extremo na campanha do Não e logo copiada pelo Sim. Afinal, a esquerda só tinha sua realidade sombria pra levar à TV - o que não iria pegar bem e não iria vencer (basta ver como a "esquerda" dentro do Brasil mudou seu discurso e chegou ao poder).

No é uma obra diferente, bem estruturada e sobre política sem ser política - servindo para diversos olhares críticos e reflexões. Sem apelar para o dramalhão, foca em um olhar capitalista, imediato (que mostra uma mudança de valores, menos passionais em relação ao passado). Seguindo à risca o termo de Maquiavel, da qual, os fins justificam os meios, René conseguiu ajudar a libertar o Chile de maneira pacifista e utilizando seus ideais, mesmo que controversos. Baseou-se em sua esperta visão sobre a população naquele contexto e vendeu sua democracia, sem qualquer rastro da selvageria revolucionista que jamais dera resultados positivos em tirar Pinochet do poder. Com estética magistral, que bem lembra comerciais oitentistas - marcado pela cultura VHS - No é um retrato de um personagem central, sem lados, que observa por cima e consegue com excelência moderar a comunicação entre eles, sem criticar o avanço econômico do país. E o que mudou pra ele? Basicamente nada, ele continua entorpecido em seu bem estar capitalista, aparentemente, próspero e desfrutando dos lucros de seu excelente último negócio: a campanha do Não.

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