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julho 17, 2013

Crítica: 'Mad Men' termina temporada psicodélica e magistral

Don Draper começa seu caminho pela redenção




Quando saíram as peças promocionais da sexta temporada de Mad Men, deu para perceber que o que estava sendo insinuado em fragmentos nas temporadas anteriores, realmente iria acontecer: Dick Whitman voltou para "assombrar" Don Draper (Jon Hamm). Não bastou se tornar um homem bem sucedido, trocar de casamento e manter a pose num mundo falso que é representado pela publicidade. Com a sociedade mudando e o comportamento das pessoas cada vez mais sendo influenciado pela contracultura com a psicodelia das drogas, os movimentos sociais como a ascensão dos negros e das mulheres no mercado de trabalho, além da onda política que tomou conta de todos com a Guerra do Vietnã, a verdadeira identidade de Draper foi se impondo para preencher o vazio existencial daquele falso corpo - e mente. A temporada se encerrou nessa segunda (15), pela HBO Brasil, e garantiu bons momentos nessa viagem à tumultuada cabeça do protagonista.

Algo que todos tem certeza desde o momento do nascimento é a morte. Como fora sendo trabalhado na temporada anterior - com seu ápice sendo atingido com a morte do sócio Lane (Jared Harris), que britânico, não suportou a pressão de um escritório americano - a morte pareceu cada vez mais próxima. Primeiro o ataque cardíaco do porteiro do prédio de Don e Megan (Jessica Paré) e depois a mãe de Roger (John Slattery) que teve um episódio focado em seu funeral. Depois de chegar aos 40 anos e começar a se questionar sobre a morte, Don Draper caminha para o limbo da pergunta de quem ele é. "Você é um monstro", como indagou a amiga Peggy (Elisabeth Moss). O modelo de homem de negócios maquiavélico e antiético ainda tem seu espaço na hierarquia de grandes agências, entretanto, isso tem um preço à pagar num mundo que tem se transformado em ser mais orgânico, espiritual, em oposição ao american way life que a publicidade tem obrigação de pregar ainda.

Mad Men se concentra em mostrar a vida de pessoas que vivem num alto círculo social, mas a realidade das ruas divididas sempre acaba interferindo de alguma maneira em suas casas e trabalho, sempre misturando sentimentos e traçando analogias do que se passa lá fora e entre quatro paredes. Daí a entrada das drogas em escritórios, a terapia como profissão em ascendência, o sexo e a infidelidade. O movimento hippie que ganhou sua versão mercadológica para se incorporar na indústria e animar festas de ricos executivos. Draper e sua compulsão pela bebida que serve para controlar os fantasmas e os problemas, segue firme. Sua amante que nada mais era que uma projeção de seu passado quando cresceu em um bordel - o único afeto que ele sentiu foi com uma prostituta que lhe deu carinho, sopa e sexo. Se profissionalmente ele sempre esteve adiantado por ter vivido uma vida em meio à tensões e uma realidade difícil - entender bem seu público alvo - Draper se viu sendo passado para trás. Afinal, suas confusões pessoais acabaram sendo transpostas para a sua publicidade deixando claro seu verdadeiro eu melancólico à amostra - como exemplo a publicidade de um Hotel no Havaí, sua briga com o representante da Jaguar, sua fala sobre jovens convocados à guerra para sócios da Chevy e, no final, seu desabafo aos executivos da Hershey's.

O que era sempre cartas marcadas, acabou se tornando um pesadelo para ele. Don perdeu o controle, pois o ambiente ao redor mudou de uma maneira que lhe pregou peças. Agora ele ouve "não" de mulheres e sua filha não é mais uma criança, podendo aparecer e pegá-lo em flagra. Sua ex-esposa, Betty (January Jones) pode usá-lo para uma noite de sexo. Seu escritório tem mais gente mandando do que recebendo ordens e todos querem a maior fatia do bolo - até Joan (Christina Hendricks) vestiu sua armadura e foi pra guerra. Foi lá que Draper encontrou seu reflexo no personagem de Ted (Kevin Rahm) que era de uma agência rival, mas acabaram se fundido - a publicidade aos poucos vai perdendo seu brilho e glamour. Ted é um homem bem sucedido, criativo como Draper, mas tem ao seu a favor ser mais gentil. Don percebe que o carisma dele é muito grande, ainda mais quando Peggy se mostra apaixonada por ele, Don, então, parte para o ataque fazendo um sentimento de companheirismo e ódio entre os dois se estabelece. Em um grande momento de catarse Draper abre a mão de trabalhar na Califórnia - para fugir de seus problemas - e deixa Ted ir em seu lugar - esse quer salvar o casamento que pode ser destruído por causa se seus sentimentos por Peggy.


Quando comentei sobre a estreia da temporada, falei sobre como cada personagem vai tentando assimilar as mudanças e assim se manter no trabalho e na vida pessoal. Personagens como Pete (Vincent Kartheiser) que é praticamente um Don de fraldas, foi na pele descobrindo que existem outros como Don espalhados, vivendo mentiras, mas que tem seu lado bom e profissional. Pete percebeu que sua perseguição pelo enigmático Bob (James Wolk) lhe rendeu a vida de sua mãe, que depois de tentar ajudar Pete (mesmo com intenções amorosas) acabou sendo punido apenas por ser gay - fazendo esse revidar e de alguma forma resolvendo o problema de Pete, já que sua mãe lhe tornará um fardo. Sua redenção ocorreu no final da temporada com ele pedindo desculpas à Bob e encerrando de vez o assunto - deu a entender que ele vai buscar ser melhor com a família. Joan se viu como uma mera secretária apesar de ser umas das sócias. Passando por cima dos outros, mostrou que não é apenas a mulher que dormiu com o chefe, com a Jaguar, e assim conquistou com seus méritos a Avon. Na cena final, fechou os olhos para Don Draper, no melhor estilo "amigos, negócios à parte". Peggy busca um amigo, um amor... Conseguiu um gato para lhe livrar de ratos e mais desilusões - aquele ambiente não é pra ela tão sentimental.


A jornada em entender esse personagem tão fascinante como Don Draper é contada cada vez mais com uma maestria de dar gosto. Se essa temporada todos ficaram à sombra do protagonista, não por menos, Jon Hamm brilhou. Toda aquela atmosfera fantasmagórica, com o passado lhe tocando e conversando contigo foi algo supremo. E mais importante, influenciando cada gesto - posição fetal quando parece acuado, abatido quando leva um pé na bunda da amante, assustado quando chora para a esposa sobre não sentir nada pelos filhos, melancólico - como sempre. Don é um homem perturbado, traumatizado que acreditou nas verdade que ele cria para vender e as quis incorporar para si próprio. Criou o seu american way life e afundou junto com ele. Agora caminha para contornar seu vazio existencial, de maneira mais forte, indo direto na raiz. Leva seus filhos para assim o conhecê-lo como nunca o fez antes. É a hora da virada e de correr atrás do prejuízo com seus filhos, que poderiam terminar como ele.


Mad Men ainda funciona de forma magistral a contextualização de uma época cercada de novos significados, uma mudança cultural violenta e a política ganhando contornos históricos - seja com a morte de Martin Luther King, o tiro contra Bobby Kennedy ou a campanha avassaladora de Nixon. A violência vai se mostrando mais ameaçadora - assalto em condomínios e o barulho de sirenes que invadem os apartamentos dos prédios de Manhattan. O cinema reflete toda essa mudança, seja no pessimista O Planeta dos Macacos, que estreou com Nova Iorque à beira de um caos e O Bebê de Rosemary, da qual, aterroriza o padrão antigo de vida da classe média. Junto com essa cultura em ascensão de Hollywood, a televisão ganha cores e passa a ser um novo personagem nas casas. Sua influência é mostrada de forma subjetiva, com crianças hipnotizadas à ela, preenchendo o silêncio da solidão de salas e casas e chamando atenção para as ruas tomadas por manifestantes, buscando atingir àqueles que estão em casa.

Para finalizar a temporada, a música de Joni Mitchell, Both Sides Now, que tem como bem representativo o refrão:

"...Olho a vida de ambos os lados agora
Do ganhar e perder, e ainda de alguma maneira
É das ilusões do amor que eu me recordo
Eu realmente não conheço nada da vida..."


Mais simbólico, impossível. Mad Men caminha para o seu final com um sinal de esperança, apesar de tudo sempre mostrar o contrário. É de arrepiar.

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