Páginas

maio 01, 2011

'Não me Abandone Jamais' tem seus méritos, mas pouco convence

Pobre criatura que sabe fazer arte, mas não se rebela 



Adaptado do best-seller de Kazuo Ishiguro, o filme Não me Abandone Jamais (Never Let Me Go, 2010) começa cercado de mistérios. O que poderia ser apenas um colégio interno, da qual, crianças tem ensinamento rígido (não isento de certa liberdade) e a ausência de familiares, começa a causar certa estranheza no espectador no decorrer da narrativa melancólica. Para quem já sabe o que o enredo trata, fica fácil perceber onde se quer levar com peças jogadas, mas no geral é apenas no meio do filme que se conta o grande mistério que deveria guiar a trama até o seu final. Então, se não deseja saber do que se trata o mistério do filme, pare por aqui.

A trama começa em 1952, quando se é descoberta a cura para diversos males e doenças humanas. A doação de órgãos começa ser utilizada de forma banal a partir de clones humanos que nascem com esse destino traçado. No decorrer da história, somos levados para a vida de quem vai passar por esse drama como doador e como ele lida ao ter de aceitar o tal destino. Mas engana-se quem espera se outros questionamentos serão levantados, pois, Não me Abandone Jamais é uma obra intimista e sequer entra com alguma reflexão política sobre o assunto clonagem. Nossos olhos nesse mundo apocalíptico, da qual, aceitar o destino é a única opção, são Kathy (Carey Mulligan), Tommy (Andrew Garfield) e Ruth (Keira Knightley) que desde crianças possuem uma relação afetiva forte, mas é apenas na adolescência que o triângulo amoroso os deixam com os nervos à flor da pele.

No filme dirigido por Mark Romanek, do estranho e nebuloso Retratos de uma Obsessão (One Hour Photo, 2002), o espectador é assim como os protagonistas levado à aceitar o destino, como uma ditadura que se assemelha com um nazismo obscuro, com pouca informação, e que  no começo muitos pensavam que os campos de concentração eram lugares bons, assim como a intenção. Aqui, a escola onde as crianças brincam e sonham, não passa de campos com a mesma finalidade, mas que de certo modo, prepara a vida desses jovens para a tragédia. No final, compreende-se porque um lugar tão bom e que mostrava um certo respeito pelos alunos, era daquele jeito, da qual, não ignorava a realidade. Vale destacar que as melhores coisas do filme são, além das boas atuações, principalmente de Mulligan, e a razoável de Keira, que convenceu pouco no papel, mas se esforça bem, a fotografia que é espetacular e de encher os olhos, conseguindo nos fazer entrar no filme, em contraste com o difícil roteiro.

Kathy, Tommy e Ruth crescem cheio de conflitos, mas uma coisa é comum à eles, a ausência de atitude contra a condição de espera pela morte. A única forma que eles conseguem chegar para adiar o problema é entregar desenhos e pinturas feitos na infância, da qual, eram pedidos pelos professores que prometiam montar uma galeria com os melhores trabalhos. Já crescidos, passam acreditar que aquilo era uma forma de conseguirem adiamento das doações, caso provassem que se amassem (não os três, mas no caso um casal - a equação durante o filme é resolvida, e apenas dois chegaram até essa última tentativa). Triste e melancólico destino que serve como uma metáfora à nossa própria vida, da qual, reclamamos constantemente da falta de tempo, e se seríamos felizes se tivéssemos mais uma chance sempre. Nos leva à refletir sobre se valeria a pena saber o que o futuro nos reserva, ou se aceitar o futuro como ele seja é melhor do que lutar contra ele.

A frustração em Não me Abandone Jamais, fica à cargo de levantar um tema tão complexo como clonagem e apresentar uma trama que não dá espaço para debates e reflexões à cerca disto. Não se diz bem onde a trama se passa, apesar de ficar claro que é na Inglaterra, paisagens e uma melancolia tomam conta da história. Ou seja, é confundir o espectador e tentar ao máximo focar no drama dos personagens e em suas emoções. Só que é difícil engolir tanta apatia, principalmente quando o único grito de desespero está conectado à um drama que Tommy carrega desde a infância, acessos de raiva por um motivo qualquer. Diferente de obras que tratam o ser humano como um ser que pode submeter à uma ditadura silenciosa, como em 1984 de George Orwell, aqui eles tem a arte à sua disposição, assim como uma certa liberdade, mesmo que sejam vigiados o tempo inteiro. Aceitar a nossa vida não é fácil, mas se tornar apático à certos caminhos pelo fluxo da sociedade, acredito eu, que seja o apocalipse do ser humano. 

 Trailer:



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Atenção: Este blog contém conteúdo opinativo, por isso, não serão aceitos comentários depreciativos sobre a opinião do autor. Saiba debater com respeito. Portanto, comentários ofensivos serão apagados. Para saber quando seu comentário for respondido basta "Inscrever-se por e-mail" clicando no link abaixo.