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março 14, 2012

Crítica: 'Um Dia' é emocionante e se esforça pra ser fiel ao livro

Romance sai do lugar comum, trabalha com desenvoltura os clichês e comove


Na obra literária Um Dia, de David Nicholls, os protagonistas Dexter e Emma, são dois jovens que após as comemorações da formatura no festivo auge dos anos 1980, terminam a noite juntos. Ele é popular, bonito e garanhão. Ela, uma jovem tímida, inteligente e insegura. Durante os próximos 20 anos, a relação entre eles vai ser digna de um dos retratos mais ousados contados na literatura contemporânea. Afinal, a narrativa é contada em fragmentos. Os caminhos não seguem o desejo do leitor. Apenas o dia 15 de julho de cada ano é mostrado. E assim a dança desengonçada e surpreendente da vida é relatada.

Como a crítica leiga ama dizer: "filmes nunca superam os livros". Bobagem. Ambos devem ser tratados com diferenças e as adaptações cinematográficas conseguem (muitas vezes) compensar o que apenas a literatura pode oferecer: imaginação por parte do leitor. No filme Um Dia (One Day, 2011), a direção de Lone Scherfig cumpre a função de ilustrar o que é lido, mas peca no roteiro instável que traz momentos mal aprofundados e saídas fáceis demais - o que antes era uma interessante carta, virou um telefonema ou uma visita pessoal.

O que ficou de fora em relação ao livro também foi a inteligência e a característica crítica da personagem de Emma (Anne Hathaway). Enquanto é fácil mostrar um Dexter (Jim Sturgess) fútil, mulherengo e alcoólatra, Emma é apenas um patinho feio que vive sonhando e nunca vai à lugar algum. Sua virada de vida deixa à desejar, pulando partes que retratam o que ela é e o que aos poucos supera: sua insegurança. Um dos momentos mais atordoantes do livro é saber que, quando professora, ela se envolve com o diretor descrito como barbudo e que é casado. Emma também aos poucos vai virando uma escritora, mas no longa não vemos ela entrando na carreira, apenas superficialmente.

Compreensível pular algumas cenas e momentos do livro, mas pior que isso é inserir algumas sem inserir sentido ou relevância. Um forte exemplo é quando Dexter vai conhecer a família de Marie (Joséphine de La Baume). Eles não gostam dele e não cansam de ofendê-lo indiretamente. Quando num jogo, Dexter acaba por bater acidentalmente na namorada, tem ali um sentimento óbvio de repulsa e a dificuldade dele aceitar que ela é um bem necessário à ele, mas a família dela está ali dificultando ainda mais as coisas. Por outro lado, cenas cruciais do filme passam a mesma emoção da leitura: o acidente, a briga entre Emma e Dexter os dois na decadência dele, o momento entre ele e a mãe, o casamento que são convidados, entre outras.

Porém, os detalhes negativos não atrapalham a construção visual de Um Dia. Tudo está muito bem cuidado: o figurino, as atuações - coadjuvantes como Rafe Spall que faz o Ian e a mãe de Dexter, Patricia Clarkson, fazem bonito -, a trilha sonora que serve para sonorizar a mudança de datas e a direção de arte que ilustra essa evolução do tempo. Anne Hathaway não poderia ser melhor escolha para a jovem Emma, assim como o charmoso Jim Sturgess. A química dos dois, aliada ao carisma dos personagens é fantástica.

Uma leitura primorosa, enquanto outro autor do gênero Nicholas Sparks bate na mesma tecla repetidamente, e as adaptações de seus filmes ganham astros da Disney como protagonistas, Um Dia se sobressai na onda de romances contemporâneos e leva uma sobrevida interessante no cinema. Não primorosa, mas emocionante, singela e bem realizada. É uma história que vale a pena ser lida... vista. Até no clichê melodramático e fatal no fim da trama, acaba sendo contornado com momentos mais importantes, sensíveis, num recorte impressionante. Afinal, é sobre a vida, apenas a vida em um dia da história deles.