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março 07, 2010

A realidade não fabricada em 'Preciosa, Uma História de Esperança'

A realidade que choca, mas não é surpresa pra ninguém


Muitos reclamam que o cinema brasileiro expõe demais o que temos de pior a mostrar do país. Mas em termos cinematográficos, essa realidade é o que faz o cinema ser um dos melhores veículos de comunicação de massa para mostrar uma cultura, e causa reflexão em quem assiste. Se ver a pobreza como ela é pode causar repulsa em alguns, outros sabem aproveitar da melhor forma e fazer a sua parte. Entender e deixar de lado certos preconceitos já é algo. Não é à toa ver Cidade de Deus sendo considerado um dos melhores filmes produzidos e conquistando o feito de ser indicado à quatro estatuetas do Oscar. E porque não salientar também que ele abriu uma nova perspectiva de mostrar realidades de culturas em que a desigualdade social é a maior causadora da violência? Quem quer ser um  Milionário? é o ápice disso, mostrando uma Índia que ninguém conhece a partir dos cartões postais. Uma Hollywood menos contida, finalmente tem absorvido dessa nova dinâmica e contado histórias de personagens não necessariamente reais, mas que vivem de forma real. Preciosa é o mais novo exemplo desse tipo de cinema.

Apesar de uma trama envolvente e muitas vezes chocante, Preciosa até inova no assunto, mas não chega a surpreender. Trata de uma temática triste realista do ser humano e explora melhor uma personagem que provavelmente aqui no Brasil, seria mais um caso para os tablóides sensacionalistas abusarem. Mesmo se tratando de Estados Unidos, até que o filme não maquiou o problema como de costume, basta as cenas de abuso e o depoimento sem pudor sobre o assunto. Os protagonistas aqui não são árabes ou latinos (apesar, claro, de um desses  representados no longa), são negros americanos (tratados da mesma forma em vários lugares por lá), morando nos guetos que os países de primeiro mundo oferecem. A jovem Claireece Preciosa Jones (Gabourey Sidibe) de 16 anos, não sabe o que é a felicidade nem o amor. Do mesmo jeito que ela não sabe ler e nem escrever, porém é boa em matemática, algo que chama atenção da diretora do colégio, da qual ela está sendo expulsa por causa de sua segunda gravidez. Então é convidada a participar de uma escola especial para esses tipos de caso.

Em casa não existe ambiente familiar eficiente para a jovem ter motivação de estudar e sonhar com um futuro melhor. Sofre abuso sexual do pai e é violentada fisicamente e verbalmente pela mãe (Mo'Nique). Mesclando cenas fortes e repulsivas, a válvula de escape da jovem é viajar mentalmente com a fama no show business junto com um namorado de cabelo bom e rico. Tirando isso, ela não tem uma visão positiva do futuro à não ser trabalhar ganhando pouco. Porém, uma coisa que acredita e sem dúvidas a chave para contornar o problema, é apostar na sua educação. Isso é uma escolha pessoal e a jovem aproveita bem isso. A mãe sempre foi contra e induz a menina à seguir o caminho do assistencialismo que o governo fornece e o que garante a sobrevivência dela, enganando os assistentes.

Nessa escola especial Preciosa recebe a atenção da professora Sra. Blu Rain (Paula Patton), que junto com uma turma de garotas negras ou de ascendência latina (e para mostrar o tamanho da desigualdade, um garoto branco aparece por lá nos momentos finais), a jovem é acolhida e aprende a por para fora seus problemas, escrevendo-os em um diário e assim aprendendo a superá-los, muitos são traumas provenientes desses constantes abusos. Preciosa ressurge do abismo e mantém a cabeça erguida. Quando novos problemas surgem, ela dessa vez tem uma mão erguida para ajudá-la a levantar, além de criar essa capacidade de ver e seguir além.

Juntando atuações impecáveis e uma boa direção de Lee Daniels - que consegue pôr o público na pele da sofrida jovem - as indicações ao Oscar são merecidas e em especial na atuação incorrigível de Mo'Nique - melhor atriz coadjuvante -  como a mãe que consegue por medo em qualquer um. Uma atuação digna e competente, ainda mais se tratando de uma atriz que também é humorista. Até Mariah Carey consegue convencer na pele da assistente social. A edição também é excepcional e causa arrepios ao retratar as cenas de violência (sem mostrar muito) mescladas com os sonhos da jovem. Todos esses atributos fazem o filme marcante e que mesmo não surpreendendo diante tantos outros similares já feitos - para citar alguns, Escritores da Liberdade (2007) ou até mesmo um nacional, o emocionante O Contador de Histórias (2009) -, sem dúvidas a personagem Preciosa estará presente nas mentes de quem o viu por um bom tempo - principalmente ao reclamar da vida.
  

Preciosa – Uma História de Esperança
Precious: Based on the Book “Push” by Sapphire
EUA, 2009 - 110 min
Drama 
Direção: Lee Daniels 
Roteiro: Damien Paul 
Elenco: Gabourey "Gabbie" Sidibe, Mo'Nique, Paula Patton, Lenny Kravitz, Mariah Carey, Sherri Shepherd

Trailer: 




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