Série termina e as resoluções das perguntas insultam alguns dos persistentes questionadores e fãs
Lost acabou na TV e nos downloads, mas ainda está mais viva do que nunca nos grupos de discussões, blogs, sites e principalmente no imaginário daqueles que depois de seis anos acompanhando a fenomenal série viram um final digno... de novela. A mitologia da série, que logo de cara afastou grande parte do público que ao lugar de ver a alma da série apenas perceberam perguntas se acumulando e a trama se tornando complexa cheia daqueles personagens complicados e tão imperfeitos, deixaram para os curiosos todo o mistério em torno do que era a ilha em que um grupo de pessoas sobreviventes da queda de um avião se depararam com diversos fatos surreais. A série então foi engrenando, levando a lugares em que era possível mover a ilha, uma escotilha, iniciativa de pesquisas com animais e humanos - chamada Dharma, um templo de cura, personagens que queriam chegar à ilha e travaram uma guerra, entre outras questões... Caminhava para diversos ares sempre mesclando flashbacks e depois os flashforwards, da qual revelava que eles haviam saído da ilha. O trunfo da história de Lost foi esse. Quem não se arrepiou com Jack prestes a se matar e a Kate aparece dizendo que não queria voltar? Quem chegou até aí, não largou mais a série.
Mas de repente o ritmo começou a cansar. A vivência foi cada vez se tornando cansativa com constantes viagens ao tempo, manipuladores de todos os lados, novas figuras entrando em cena e dizendo frases sem sentido algum e por aí vai... Todos estão perdidos. A impressão que dava é essa, apenas os produtores pareciam saber o que se sucedia. E por esse lado, é que Lost foi tão especial. Você se encontrava diante de algo que até então era inédito na TV. Eis que começaram a chegar as respostas... Pra quê? A quinta temporada, levou os personagens de volta ao tempo e trabalhando para Dharma. E os outros voltando à ilha para terminarem a missão. Vieram respostas, fracas, sem o mesmo nível instigante das perguntas. Quando a entediante temporada terminou com a morte de mais um personagem querido, a Juliet, o sentimento de enrolação já era sentido... Aquilo tudo para eles resolverem algumas questões, enterrarem uma bomba e finalmente se iniciar o seriado novamente. Na última temporada nos deparamos com templos, o grupo dividido, gente morrendo, a fumaça atacando... Terminamos com uma luta entre o bem e o mal, a briga eterna entre Jacob e o irmão, e simplesmente tornou-se uma história sobre personagens escolhidos por Jacob, e enganou-se quem procurava na história algum significado concreto. Lost sempre foi uma série sobre personagens. O tempo todo. Desculpem-me, mas não foi.
O John Locke é realmente o único que sabia que jamais teríamos as respostas? Daí o Charlie percebeu e depois Hugo? Era neles que tínhamos que ter seguido cegamente, movidos pela fé e amor e deixarem a ilha nos guiar? O final teria feito mais sentido? Isso é algo original? Seria mais fácil deixar de lado todas as pistas e perguntas lançadas e apenas seguir a correria entre as árvores, não levar a sério personagens como Desmond, Walt ou a Eloise, não tentar entender a Dharma e seus experimentos? Ou, o propósito de Lost foi deixar todos eternamente perdidos nas próprias perguntas e aceitar com fé o caminho que nos foi apresentado?
O que sempre me incomodou em Lost não foi a série demorar ou nem responder todas as perguntas, mas sim aqueles personagens conhecendo bizarrices como o monstro da fumaça, os Outros, a iniciativa Dharma, o Desmond, o Ben, o Richard, o Jacob e simplesmente "aceitar" tudo aquilo de forma, não tranquila, mas um pouco fora do que seria o verossímil. Aceitar viagens no tempo, o sumiço de crianças, e pior ainda se deparar com esses seres místicos, estátuas, templos, faróis que refletem a própria casa e perguntas que nem eles jamais saberão as respostas... É tudo tão basicamente aceito, sem desespero, que eles apenas fugiam e de repente quando saíram da ilha perceberam que eles tinham que lutar pela ilha, porque ela foi importante para eles melhorarem e chegarem ao paraíso, por lá eles foram algo e no mundo real eles não foram. O público deve aceitar isso também como os passíveis personagens da série?
Quem acompanhou a série e se aprofundou na mitologia, estava errado o tempo todo em acreditar em um seriado que na verdade se tratou sobre nada?
O significado de Lost, pra muita gente pode ter sido a fé contra a razão e a lógica. E assim por em primeiro plano o ser humano, seus sentimentos, temores e a constante busca por algum sentido, respostas e sempre dar de cara com o inexplicável. Isso é lindo, é maravilhoso, mas não é original. Quantas vezes o cinema já mostrou questões como estas, deu lição em personagens, ou foram avisadas que estavam mortas e passavam por um momento de transição, buscaram a redenção? Teve uma premissa que acabou em um clichê contado de forma diferente o tempo todo e acabou bobo, sem novidades. Decepcionando à muitos. Lost sempre foi uma série de personagens, mas é na história que ela fisgou à todos. Não tem como separar. E quando se depara com os personagens no mundo espiritual se reconhecendo e lembrando-se de tudo o que passaram "olha nós vivemos um inferno e agora estamos mortos, que legal!". Felizes, percebendo que os que sempre se ferraram agora estão bem – menos a Kate que será uma eterna fugitiva – agora nada mais importa. Terminar de um jeito tão preguiçoso e que se aproveita da temática sobrenatural, do centenário de Chico Xavier, do cancelamento e renovação de séries como Ghost Whisperer e Medium (esses exemplos, Chico, Melinda Gordon e Allison Dubois, foram brincadeirinha!) é algo no mínimo sem criatividade.
Lost foi algo bom de acompanhar por muito tempo e mesmo com um final anunciado desde 2007, merecia um desfecho mais instigante, sem a necessidade de responder todas as perguntas, mas ao menos ultrapassá-las com um evento que realmente fosse melhor aceitar o que aconteceu. E pra isso, é necessário mais que uma trilha sonora fortemente emocional, ou aquela luta no penhasco com uma fotografia tão cinzenta que registrava o ápice da série. Lost tinha mais a mostrar do que apenas emocionar com a mudança dos personagens, mas fechar – sem necessariamente terminar – uma mitologia que ela mesma construiu. Isso aconteceu? Tira-se o tampão do buraco e o mal fica mortal? Se a fumaça realmente quisesse, não teria matado qualquer um, depois de vermos ela rasgando pessoas durante todo esse tempo? O Jacob chegando de branco na beira da fogueira e dizendo "Hei, vamos lá, agora que a série está terminando vamos ao que interessa..." Tive um péssimo dejá vù de filmes como Vanilla Sky e O Sexto Sentido quando o pai - olha a apelação - do Jack aparece fora do caixão e revela que o filho está morto e o chama para irem ao paraíso. E quando o pobre robozinho de AI Inteligência Articial ganha mais um dia ao lado da mãe? E quando o Mel Gibson resolve voltar a ser padre depois de desvendar os Sinais e redescobrir a fé? E Nicole Kidman lembra que matou os filhos e cometeu suicídio e que na verdade eles são os outros? A série sobre queda de avião realmente acabou de forma tão assim comum?
Mesmo guardando seu lugar na história da TV mundial, espero que Lost tenha mostrado à todos não apenas um novo modo de fazer um programa, levando a audiência a procurar respostas e ficarem teorizando sobre o que seria o grande mistério. E que não se é necessário dar tudo mastigado ao público. O público é um ser pensante, e não precisa de se contentar com mais um Scooby Doo no horário nobre. Porém, lados negativos da série vão servir para moldarem a nova linguagem da TV, a ousadia de fragmentar a narrativa que infelizmente confundiu e levou à desistência de uma grande parcela de audiência, e que lançar perguntas sem programar as respostas pode ser um passo perigoso...
Infelizmente Lost terminou em mágica, com um final digno de novela da Globo e sem a inovação que prometia em seu início, agora é seguir a vida, não enlouquecer com as perguntas e dúvidas que pairam, até mesmo as que ficam depois de certas respostas. Afinal mesmo com respostas somos teimosos e queremos continuar perguntando – ou simplesmente não entendemos nem a resposta. É aceitar que o seriado não foi perfeito, e sim tiveram momentos de extrema perfeição. Como o melhor episódio, eleito pela maioria: The Constant. E o pior de dar vergonha: Across the Sea. Lost não terminou como começou, e sim virou uma celebração de toda a série, e, repare como a maioria dos flashes de lembranças são de episódios das primeiras temporadas. Porque são esses que vão ficar na memória, serão lembrados e guardados quando falarem sobre o seriado. Foi aquilo, com todos personagens principais perdidos em uma ilha misteriosa, e tinham os outros e o monstro de fumaça. Lost é isso pra mim. Será o seriado das perguntas instigantes sem qualquer resposta – e isso foi bom enquanto durou.