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outubro 07, 2011

O pecado vence a fé na série 'The Borgias'

Seriado é mais um com personagens sem caráter que sempre dão bem 


A TV americana está cheia de anti heróis. Seja o assassino mais querido do público, Dexter (da qual, tem gente que o considera um justiceiro e não um doente), Nucky Thompson de Boardwalk Empire que lidera uma máfia escondida atrás da política em Atlantic City nos anos 20, Jackie, a enfermeira chefe - e casada - da série Nurse Jackie que é viciada em drogas ao ponto de se prostituir com o farmacêutico para conseguir remédios, Don Draper de Mad Men, que apesar de apenas seguir o fluxo de uma época, colecionava amantes e até abusava de algumas secretárias, Walter White, que deixou de ser um homem na meia idade com câncer para se tornar traficante, e, por que não, Meredith Grey, a protagonista de Grey's Anatomy que tem um caráter complexo e a todo momento age de forma mais emocional do que racional, quebrando regras e ultrapassando limites éticos que colocam até seu emprego em risco. Mas nenhum desses, consegue se sair tão bem no papel quanto o clã Borgia, da série The Borgias.

O primeiro fato mais assustador ao assistir a série de TV do ShowTime (exibida aqui no Brasil pelo TCM - que finalizou a primeira temporada no último domingo), a mesma emissora de Dexter e Nurse Jackie, é que tudo aquilo de alguma forma é baseada em fatos reais. É estrelada por Jeremy Irons, que vive Rodrigo Borgia na Itália do século XV, homem de família nobre que é eleito o papa naquela época, por métodos obscuros. Diferente da outra séries que se passam em lugares onde a corrupção floresce de maneira natural por vezes, aqui tudo de passa entre as paredes douradas e abençoadas do Vaticano. No poder, antigamente a Igreja Católica tinha a importância de um reino, ele nomeia seus dois filhos Cesare (François Arnaud) e Juan (David Oakes) com títulos importantes, o primeiro como Cardeal e o segundo como líder das forças armadas. Desse modo, a família Borgia estava com a Itália na mão.

Os primeiros episódios (a primeira temporada tem nove), são extremamente o oposto do que você espera ver de uma série com a Igreja ao fundo, mesmo sabendo o que ia rolar ali. Muitas cenas de violência, traição, sexo e corrupção que preenchem a tela de forma quase gratuita sem grande explicação. Não existe muitos debates e críticas. Nem muito remorso. Aos poucos o destaque recai para a filha Lucrécia (Holly Grainger), que passa por momentos turbulentos em um casamento arranjado, mas mesmo assim não impede que a jovem arranje um amante e use seus talentos genéticos para manipular e mentir. Ela é como uma peça em um tabuleiro. Quem sofre é o amante que termina açoitado e fim de caso. O jogo de poder do seriado se estende pela série, como se fosse qualquer outro seriado comentado anteriormente. Eles vivem sempre à risca de perderem o poder, de seus inimigos acusarem provas contra eles, pois todos sabem de como a família era suja. Entretanto, ainda assim dão a volta por cima. 

Se como entretenimento o seriado não deixa à desejar, pois é sempre movimentado, seguindo uma narrativa dinâmica que acelera o tempo sem nem avisar, pelo lado de uma experiência mais aprofundada, The Borgias deixa à desejar. Primeiro, que diferente de séries e filme sobre a máfia e corrupção, o contexto aqui sempre acaba nem sendo explorado. Em o Poderoso Chefão, da qual, além de definir a importância de cada membro da família para o sucesso dos negócios, volte e meia as questões humanas são retratadas de maneira completa, com os momentos de reflexão e de dramas mais pessoais, além de mostrar a polícia atrás deles e até uma Cuba como base de tudo. Na série, mal sabemos o que o povo pensa, ou o que ele acha daquilo. Se em alguns episódios algo importante ocorrer fora do Vaticano ou em reinos fechados é pedir demais.

Além disso, o seriado resume os problemas dos três filhos como: Jean sendo um beberrão e sedento por mulheres, Cesare como o equilibrio da família, mas apaixonado por apenas uma mulher (até mesmo o incesto com a irmã é mal retratado ou ignorado mesmo) e Lucrécia como uma moça de aparência angelical, porém vai aprendendo como ser uma Borgia depois de violentada pelo marido e na necessidade de livrar sua pele e da família dos franceses. Rodrigo é sempre aquele isolado de tudo, da qual, vive num mundo diferente. Manda e desmanda, mas não convence quando por um lado parece ter alguma alma.

No fim, todo esse clã unido acaba sendo infalível em sair impune de todos os podres que cometem. Sem ao menos, de alguma forma serem atingidos diretamente. Se essa artimanha é verdadeira e por isso eles viraram personagens históricos tão famosos e que despertam interesse, o seriado os transformam em caricaturas do que realmente foram. É nesse desenvolvimento precário que a trama principal de Boardwalk Empire foi ofuscada pelos coadjuvantes. Mas em The Borgias, até mesmo os secundários somem nas intrigas e no sangue jorrado. Uma pena, estamos falando de uma série criada por Neil Jordan que adaptou o icônico Entrevista com o Vampiro e o subestimado Valente.

O que realmente vale a pena acompanhar na série são os aspectos técnicos, como a direção de arte muito bem cuidada, os figurinos - que inclusive lhe renderam o Emmy deste ano - e a trilha sonora, a música de abertura também levou o prêmio merecidamente. De outro lado é esperar por uma segunda temporada - já anunciada pelo canal para 2012 - que diminua o ritmo e explore melhor não somente as intrigas, mas o que realmente fez da família tão reconhecida assim. Sabemos que eles são unidos e isso foi o maior foco da temporada, mas está na hora de mostrar que ali o Vaticano não é apenas um cenário qualquer, mas que representa muita coisa. Afinal, o pecado como se sabe, foi derrotado e a entidade mesmo sem tanta importância política, ainda sobrevive muito bem. E explorar melhor essa família de anti heróis que sem um pingo de humanidade, não desafia o público com seu fraco caráter dúbio e muito menos servem para fazer torcer por eles.


Trailer: