Filme não, necessariamente, é para ser entendido e sim para ser sentido
Qual a importância da religião em nossas vidas? Como de certa forma ela interfere nas relações inter pessoais e dão algum significado ao grande mistério da nossa existência? O diretor Terrence Malick dá sua visão da vida em 140 minutos no filme A Árvore da Vida (Tree of Life, 2011), com uma trama complexa, recheada de imagens belíssimas e uma proposta surpreendente de fazer cinema (trilha sonora, edição, direção de câmeras e fotografia são espetaculares). Algo raríssimo e gratificante para os que vão à uma sessão esperando mais do que entretenimento, mas sim buscam sentir e vivenciar novas experiências. Brad Pitt não tem nome, nem a atriz Jessica Chastain. Eles são pais de três meninos que estão prontos para enfrentar a vida. Mas a história não se limita à essa família vivendo nos anos 50, o universo ao redor fazem parte do elenco dessa grande produção.
"Enfrentar a vida" não é bem o termo que se pode dar para o que os jovens vão descobrir, se no filme isso fica condicionado para as crianças que sofrem com a forte autoridade e cobrança do pai que se vê como uma espécie de Deus - dada sua importância -, mais adiante Malick nos leva para outro caminho. O longa começa com a uma perda. E isso é doloroso para a família, que começa a se questionar o por quê daquilo ter ocorrido com eles. Se a religião era sinônimo de esperança, ela agora serve como um consolo, mesmo que colocada em dúvida. Mas nada como a morte servindo como motivo de reflexão da vida. Depois da crise, o nascimento. O diretor então mescla imagens da origem do universo com a fala em off da mãe, ainda questionando o ocorrido, mas seguindo em frente.
Depois das imagens espetaculares, que conseguem ser ainda mais impressionantes que qualquer documentário sobre a natureza ou a criação do universo, a trama central foca em Jack (Hunter McCracken jovem e Sean Penn quando adulto), o mais velho dos irmão que passa a ser o mais cobrado pelo pai. Talvez não o mais cobrado, mas o que se sente mais fora do compasso da família, já que seus irmão possuem um dom natural de serem melhores aceitos - gostam de música, arte. Já o pai vive um dilema jamais resolvido que termina em frustração. Entre a música e a engenharia, ele vive preso entre uma liberdade de pensamento que não sustenta sua família, e a promissora profissão que acaba em decepção. O sujeito controlador só pensa em uma coisa: dar uma educação apostando no medo e controle dos filhos para vê-los vencer na vida, mas ele mesmo não segue o que prega. A mãe aqui vive em outra sintonia. Se o papel da mulher naquela época era apenas de fazer a casa manter-se limpa e organizada, aos poucos ela mostra sua ira contra o método do pai com as crianças.
Isso desperta em Jack algo que em temos psicanáliticos é o chamado complexo de Édipo, que surge com mais clareza na adolescência, e aqui vem numa forma literal do filho querendo matar o pai. Por outro lado, ele mesmo sentindo amor por sua mãe, ainda não compreende como ela pode se omitir dos exageros cometidos pelo pai. É numa viagem do pai, que Jack passa a viver o mundo sozinho, invocando um senso de rebeldia. Decide não obedecer nem a mãe. Então a natureza surge. Uma cena referência é o ser oriundo do mar ferido, provavelmente machucado pelos tubarões. A ira da sobreviência está ali, mas a intransigente relação entre familiares vem na cena em que um dinossauro pisa na cabeça de outro ser da mesma espécie só que este menor, no que pode ser traçado um paralelo dessa relação complexa entre pais e filhos.
Se depois de um momento de fúria, o jovem entende a importância que é sua família, o que fica marcado também é a redenção do pai em relação à ela também. Seu método duro nunca levou ninguém à lugar algum, da qual, ele limitava a maneira dele mesmo viver bem com sua família. Essa repressão dos sentimentos nunca é uma solução certeira, já que como frutos da natureza hostil, o ser humano não é uma fórmula correta e está em constante mutação. E o resto dos seres vivos estão ali apenas como cenário e visualizando quietos a vivência humana, que se acham no centro de tudo. E como sobreviver nesse turbulento meio selvagem de predadores, climas quase imprevisíveis e lugares austeros? Daí entra a educação centrada, da qual, equilibra uma liberdade de pensamentos, moral, ética, criatividade, com amor e união familiar. Essa é a função da mãe, sempre o coração da família.
A Árvore da Vida é um filme extraordinário para ser contemplado, visto e discutido. Mas sem a necessidade de sair tentando compreender tudo. Nas suas entrelinhas e na constante subjetividade de cenas cheias de metáforas filosóficas, científicas e psicológias, o longa ainda guarda uma forma mais simples, que na inocência de uma brincadeira de moleques, você não se sente vendo um filme, mas sim a vida, que poderia ser a sua ou a do vizinho. Mesmo que o espectador não se identifique com o drama retratado, a base familiar, sua hierarquia e seus dilemas sobre educação e religião estão presentes na maioria dos lares. No fim, vale o caminho leve que o diretor nos leva: o da redenção e a importância de uma lado espiritual e de uma boa base familiar. Se o diretor não conseguiu retratar com perfeição a vida, ele chegou perto, bem perto.