Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 2 não é o filme do ano, mas traz ensinamentos à cultura atual
Há uma década, estreava pelo mundo umas das histórias mais aguardadas e originais já transpostas para o cinema. Baseado na obra de J.K. Rowling, a franquia Harry Potter tornou-se um dos maiores fenômenos mundiais de bilheteria, movimentando a indústria não só do cinema, como todo o mercado do entretenimento. Fruto de uma série de livros que apresentavam linguagem fácil e que foram crescendo ao decorrer da criatividade e utilização de referências de clássicos da literatura, a autora assiste sua obra junto com milhares de fãs com a sensação de missão cumprida. A saga de Harry Potter não só inspirou diversas outras histórias para o cinema - algumas fracassadas -, mas também ensinou a Hollywood que a substituição de astros e bons roteiros por efeitos especiais não é o caminho certo. Nunca foi.
Dentre os oito filmes produzidos, muitos erros e acertos puderam ser percebidos. A polêmica do que realmente é uma boa transposição dos livros para as telas, nunca foi tão debatida entre fãs fervorosos e críticos de cinema. Mas uma coisa é certa, na média geral Harry Potter se sobressai em relação aos filmes semelhantes e encontrando um lugar junto com O Senhor dos Anéis no marco das adaptações bem sucedidas se tratando de fantasia. Se a saga começou morna com filmes medianos como Harry Potter e a Pedra Filosofal e a sequência Harry Potter e a Câmara Secreta, a culpa talvez não tenha sido pela falta de competência do diretor Chris Columbus, e sim pelos próprios livros que ainda caminhavam sem apresentar o gancho definitivo que viria a seguir. Também ao ler os livros e ver os filmes que deixam claro o seguinte: tem coisas no universos criado por Rowling que só funcionam bem na imaginação do receptor.
Em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, o diretor espanhol Alfonso Cuarón, deixou seu legado e fez a melhor obra até então, mostrando os personagens crescidos, com dilemas, dramas e explorando a turbulenta adolescência. O filme ainda marca uma direção de arte atraente, a trilha sonora em perfeita sintonia - presenteando os fãs com uma bela sequencia da canção Double Trouble cantada por um coral de bruxos e sapos, composta por John Williams - e ainda o vôo de Harry no Bicuço, sinônimo de uma cena belíssima que somente a magia do cinema pode proporcionar. Mas acima disso, a essência do peso da responsabilidade que os personagens carregam foram mostrados com muita competência. É a soma de um bom livro e uma boa adaptação.
O quarto filme, Harry Potter e o Cálice de Fogo, provavelmente foi o mais complicado de ter sido feito. A história começa com uma curiosa Copa do Mundo de Quadribol e apresenta outras escolas que vão à Hogwarts para o Torneio Tribuxo. Os efeitos especiais são grande trunfo do filme, e nessas horas seus realizadores deviam odiar por momentos a imaginação fértil de Rowling. A produção de Mike Newell até conseguiu se sair como um bom filme de entretenimento, mas a necessidade de cortar diversas características do livro, prejudicou a dramatização do arco principal. É neste filme que Lord Voldmort aparece fortalecido e causando baixas. Depois, foi a vez de David Yates dar sua versão ao sucesso e sua condução tentando equilibrar questões dos livros e questões cinematográficas, agradou em cheio aos produtores que decidiram deixá-lo até o fim.
Harry Potter e a Ordem da Fênix traz de volta o lado sombrio mostrado no terceiro longa, e intensifica a complexidade do protagonista com seu fardo pesado de carregar. Além disso, é inserido os ingredientes básicos característicos da adolescência, como a sexualidade, insegurança e necessidade de se rebelar diante à injustiça. A crítica se estende até os meios de comunicação que podem ser corrompidos e controlar a opinião pública em busca de interesses. O trio de protagonistas Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint ganham mais oportunidades de atuar com a evolução da história. Em Harry Potter e o Enigma do Príncipe, a qualidade em dramatizar a história continua caminhando de bem com o livro, no entanto, o filme começa a perder o ritmo que seria necessário para um bom filme do gênero. A magia fica um pouco de lado e isso, em termos, decepciona. Nesse filme fica marcado relação de Alvo Dumbledore (Michael Gambon, substituindo o falecido Richard Harris) com Harry.
Harry Potter e as Relíquias da Morte parte 1 também peca na falta de ritmo, porém, é compensada pela feliz escolha de explorar os personagens, algo cada vez menos levado em conta em grandes produções no cinema e na televisão. O filme ainda tem momentos que transparecem a metáfora de toda a história. A dificuldade de se crescer em condições obscuras. Valoriza o poder da amizade na luta contra o que pode ser um dos maiores problemas da humanidade: o preconceito e a intolerância pelos "diferentes". Na história, quando um ser muito poderoso quer extinguir a raça humana, dando lugar apenas aos bruxos - inclusive excluindo os de sangue misturado -, toda coragem e apoio são importantes. Nessas horas que o filme acerta o tom da história, provando que agora a magia não precisa ser necessariamente o trunfo dos filmes. Duas horas de ritmo lento acabam valendo a pena, ou a alusão ao maléfico nazismo não é atraente numa história como essa? É o momento das atuações do vilões célebres Bellatrix Lestrange (Helena Bonham Carter) e Lord Voldmort (Ralph Fiennes).
Finalizando com chave de ouro
Uma das maiores reclamações de quem acompanha a saga do bruxo, mas não se prendeu aos livros, é que diversas pontas ficaram soltas nos primeiros filmes e só agora foram fechadas. Lembrar de detalhes, de conversas, personagens e feitiços é uma tarefa árdua e que compromete a melhor compreensão da trama. E nessas horas fica perceptível todos os equívocos de uma má adaptação. Um bom filme, não precisaria da base do público aos livros para ter de compreender por completo a obra cinematográfica. E mesmo revisando os filmes, ao tentar explicar todos os detalhes e juntar todas pontas, fica complicado. Harry Potter e as Relíquias da Morte parte 2 sofre com o mal de capítulos finais de franquias, que precisam explicar tudo toda hora, fazendo o trabalho que os outros filmes deixara à desejar. Um exemplo foi a má utilização do elfo Dobby, que serviu como alívio visual e de marketing no segundo filme, e sumiu até cumprir seu destino no último - só chorou quem leu os livros e sabe de sua real importância.
Mas não se pode culpar o estúdio por querer um entretenimento mais fácil e divertido. É por isso que na primeira parte do último filme da saga, ele é divido em duas: o cinema de ação e aventura com toques de comédia e nostalgia, e o segundo momento, mais complexo e que se importa em finalizar sem deixar nada sem explicar. A falta de ritmo da primeira parte, faz a experiência da segunda uma diversão prazerosa. Diversos cenários mostrados nos outros longas são novamente mostrados, seja na primara parte com o Ministério da Magia, e nesta segunda com o Banco Gringotes. A vila próxima da escola, Hogsmeade, também reaparece, só que mais sombria. Mas é Hogwarts palco da batalha final entre o bem e o mal. Junto com ela, personagens esquecidos em outros filmes tem seus momentos únicos. É o caso da Professora Minerva McGonagall (Maggie Smith), que rouba a cena nesse primeiro momento do filme. É dela os melhores alívios cômicos, quando a tensão apenas aumenta, além das frases mais corajosas e para manter a ordem. Neville Longbottom (Matthew David Lewis) também ganha importância, mas com menos impacto. O longa ainda tenta mostrar nem que por segundos diversos outros personagens que participaram dos primeiros filmes, aumentando ainda mais a vontade de rever os outros longas.
O segundo momento do filme serve para explicar tudo, além de finalizar a transformação de Harry em um herói completo. O tom épico dá lugar ao drama e a sensação de fim de novela, o ritmo cai intensamente. Um dos acertos foi ter essa catarse contada pela visão do Severo Snape (Alan Rickman - outro que teve seu momento), através de suas lembranças reveladas na Penseira. Lá descobre-se que Snape não é um traidor e sim uma espécie de espião que ajudou Dumbledore a salvar Harry Potter. Snape também sempre fora apaixonado pela mãe de Harry e guardou sua varinha. Mas após a cena que poderia ter finalizado bem a solução da trama, um confronto que aparentemente havia morrido, Harry surge com Dumbledore num cenário bastante iluminado, como alusão ao céu ou sub consciência. Essa cena parece que não foi muito bem adaptada, e provavelmente não faria grande diferença. Mas após esse momento Lost, finalmente a luta final eleva o tom épico e aguardado por 10 anos. O embate final é empolgante. E até mesmo o polêmico epílogo, que parece clichê de história qualquer, é satisfatório, já que assim foi a escolha da autora - apenas a indiferença do ator que faz o filho de Potter que chega ser constrangedora se comparado com o encantamento do pai no primeiro filme.
Uma trama tão bem elaborada - passiva de erros é claro -, que teve um inicio comum, mas se tornou uma aventura sem precedentes, apresentando personagens interessantes e mensagens positivas quando a sociedade está tomada pelo caos, fazem de Harry Potter um dos maiores contribuintes para a história do cinema de entretenimento. Sem ser pretensioso e juntando a uma mitologia sempre curiosa. No cinema, a experiência de seguir uma boa história com ou sem efeitos especiais dizem muito sobre o comportamento do público, principalmente nessa faixa etária. Quem disse que um jovem não pode ir assistir uma obra que toca em assuntos sérios, explora os desafios da idade, mas ali são transpostos como metáforas? Harry Potter foi além disso, ao juntar atores novatos e veteranos que proporcionaram momentos gloriosos conectando uma nova geração de astros com uma mais antiga. Não interessa se nem todos captam a mensagem, se alguns desses jovens debatem o que ali foi mostrado e a mensagem que está nas entrelinhas, isso já é suficiente. Afinal, Hollywood vive um momento de "robotização" preocupante, desvalorizando seus astros e apostando somente em efeitos especiais, 3D... E nesse caminho quem perde, é o público.