Lançada ano passado pelo canal Showtime no Estados Unidos, a série Nurse Jackie causou polêmica ao falar, com ousadia e humor negro, sobre vício de drogas e traição nos bastidores de um hospital. Irônico e sarcástico, o programa estrelado pela ótima Eddie Falco (A Família Soprano) ganhou inúmeras críticas positivas da imprensa. Claro que, as profissionais da área é que não gostaram muito do que viram. Um desses preocupados com a enfermeira 'bad girl', foi o New York State Nurses Association que soltou o comunicado protestando "nós acreditamos que a visão do público sobre as enfermeiras é influenciada pela maneira que elas são mostradas na TV e nós achamos que eles ainda tinham uma visão adequada até hoje". Então, terminou nesse domingo - e se inicia novamente no próximo dia 2 - a primeira temporada do seriado no Studio Universal, e fica a pergunta: será que tem motivo pra tanto alarde?
Como a moda de séries médicas reapareceu por lá desde o estouro de - principalmente - Grey's Anatomy e House, outros foram surgindo na onda. Agora não são mais os casos que eram o foco das séries, como foi em ER (mesmo se transformando ao longo das 15 temporadas), agora os médicos que realmente são os protagonistas, desde o momento em que entram como simples observadores, até ativos na prática da profissão. Porém, a imagem de queridos, intocáveis e sérios, foi quebrada por um processo de humanização e com a intenção de inserir o público nessa trajetória de altos e baixos da medicina. Os pacientes agora são peças para os médicos se conhecerem ou aprenderem sobre a vida. Porém, Nurse Jackie vai mais além.
Primeiro tratou com certo deboche o preconceito existente entre enfermeiros e médicos. A relação deles é a mais complexa possível. De um lado o Dr. Cooper que é jovem, metido, imaturo, subestimado e o galã do lugar e do outro Drª O'Hana, a confidente de Jackie, fria, segura, porém ótima médica. Os amigos enfermeiros, Mohamed, gay, irônico e amável e a pateta Zoey, novata e engraçada no ponto. Aos poucos todos vão se misturando, construindo relações, mas sempre tem o tom de desprezo dos médicos pelos enfermeiros, e certa situações vão abalar inclusive a confiança entre eles. Como a própria protagonista diz:
“Médicos dão o diagnóstico. Nós (enfermeiros) curamos”Nessa frase vai a metade da mensagem que a série quer passar. Diferente da realidade mais favorável aos superiores como se é mostrado em Grey's Anatomy, em que enfermeiros são estúpidos, ausentes, que servem apenas para transar com os médicos bonitões, enquanto esses é que correm para salvar as pessoas. Em Nurse Jackie, a série aponta para o outro lado da moeda e por vezes parece mais realista. É ou não é o trabalho mais pesado - e sujo - esses dos enfermeiros? Não nos casos de cirurgiões, é bom lembrar. Só de lidar com o ego dos médicos, já é algo difícil. Outra fala que justifica toda a moralidade (ou a falta dela) de Jackie e seu vício em Vicodin - inclusive fazendo um tráfico velado no hospital e tendo de transar com o responsável da farmácia para conseguir -, é a difícil fala lançada logo no primeiro episódio:
“O que é uma enfermeira com dor nas costas? Uma desempregada."
Mas, o interessante dessa história toda é essa ambiguidade de Jackie. Ela não é perfeita, sabe que não é, e mesmo sua profissão a obriga muitas vezes de não seguir o sistema. A burocracia do hospital, o tratamento de produto que as pessoas recebem pela direção e por alguns médicos é algo que comove tanto Jackie quanto os demais enfermeiros que sentem a barra de perto. Em Grey's Anatomy, mesmo sendo uma série incrível, existem coisas impossíveis de engolir como "os médicos que fazem caridade no natal e operam de graça". Em Nurse Jackie, ela esbarra em questões que os próprios médicos se recusam a resolver ou fazem de má vontade. Como por exemplo ter de falsificar um documento que libera a doação de órgãos, já que o Dr. Cooper errou ao dizer que o paciente havia tido morte cerebral e era um potencial doador. São situações que os enfermeiros devem acabar assistindo muitas vezes calados, pois não possuem poder suficiente para interferir em certas questões. Em meio a isso, o abuso de medicamentos da personagem, para se manter firme e o método de conseguir os medicamentos.
Assim como Dexter, outra série do mesmo canal, Nurse Jackie teve um poder incrível de prender o telespectador com a teia de mentiras tecida por Jackie. Dexter passou pelo mesmo drama da enfermeira na primeira temporada quando os corpos das pessoas que ele matou, foram encontrados no fundo do mar. No hospital, é o amante, Eddie (imagem ao lado), que põe tudo perder, pois começa a realmente gostar dela. Com roteiro interessante e ágil, são 30 minutos de risos, emoções e uma personagem carismática, cheia de qualidade e imperfeições. Fica impossível não se identificar com Jackie e sua necessidade de aparentar ser normal para a sociedade, nem que para isso busque meios que a mesma sociedade hipócrita utiliza para manter o sistema. O alarde feito pelos falsos moralistas contra a série é apenas mais uma prova disso. Nurse Jackie, Grey's Anatomy, Dexter e House são séries que relatam sobre um personagem. Não generalizam profissionais e o exagero faz parte de todas, ainda dá um destaque à profissão com um roteiro de qualidade. Então pega mal a Associação de enfermeiros de Nova Iorque reclamar e ainda aceitar ser representada pela patética e sem graça Mercy ou totalmente omissa no seriados de médicos.
Criadores: Evan Dunsky, Liz Brixius, Linda Wallem
Elenco: Edie Falco, Eve Best, Peter Facinelli, Merritt Wever, Haaz Sleiman, Paul Schulze, Dominic Fumusa, Anna Deavere Smith
Trailer:
Assista no Studio Universal (SKY 57), Domingo dia 2, às 21 horas, a reprise do episódio piloto.
Mais sobre a série no hotsite do Studio Universal.
A série foi renovada para uma 3ª temporada. Nos Estados Unidos está sendo exibida a segunda temporada, e ainda não existe confirmação da estreia da segunda temporada no Brasil.
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