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dezembro 27, 2010

Sem medo de assistir '5 Vezes Favela - Agora por nós mesmos'

Produção se encarrega de mostrar o que não aparece na grande mídia


A palavra favela no Brasil tem um peso trágico, e não é por menos. Sinônimo de bandidagem, violência e pobreza, o lugar nunca foi levado à sério nem por autoridades e muito menos por parte da sociedade. Com a mídia noticiando sempre a pior face do lugar - aquela em que traficantes mandam, desmandam e matam -, quem mora ali sabe que não é exatamente isso o tempo todo. Não que não exista tensão ou medo dos moradores das comunidades da região, mas até eles mesmo são induzidos à viver dessa maneira. Basta ligar a TV e ver na retomada do Complexo do Alemão, que quando se tem polícia o risco de uma verdadeira guerra dobra, no geral guerra entre traficantes é de proporções menores. Sem polícia, a guerra do tráfico assusta, mas no geral, não atrapalha a vida de seus moradores que acaba dando um jeito de conviver na guerra. O filme 5 Vezes Favela - Agora por nós mesmos, feito por jovens cineastas moradores de comunidades cariocas coordenado por Cacá Diegues, vem com esse intuito de desmistificar a favela e acender a luz de lugares da região pouco conhecidos.

O cinema brasileiro já explorou a temática várias vezes: Tropa de Elite justifica como os bandidos conseguem tanto poder, ao ponto de reinarem nessas comunidades, sempre com apoio dos políticos e da classe média (e até dessa mídia sanguinária); Cidade de Deus mostra a violência da região quando a guerra do tráfico recruta jovens; e Última Parada 174 relata uma vida destruída pela falta de uma estrutura familiar e o mesmo poder destrutivo do tráfico. Agora 5 Vezes Favela vem com uma iniciativa interessante de mostrar um lado humanizado não do bandido nem do policial, mas sim de pessoas comuns que vivem naquela imensidão. Dividido em cinco curtas, o filme mescla o drama, a comédia, os medos e a perca de inocência dos jovens que moram ali. Mostra também a face daqueles que não seguem o triste caminho de se envolver com tráfico. As boas opções aparecem, mesmo que o fim justifica os meios esbarrando na opção mais fácil de revender a droga como no curta Fonte de Renda. Os cinco episódios são:

Fonte de Renda: na trama um jovem realiza o sonho de passar no vestibular, mesmo que agora tenha de abrir mão do trabalho. Dentro da faculdade de Direito e ele tem de se submeter à revender drogas para os colegas de classe média e assim sobreviver no lugar, já que os livros e o transporte consomem um dinheiro que sua família não tem. O desfecho poderia ser trágico, mas serve como uma lição. Aqui não é a justiça ou as leis que o puniram, e sim a sua própria atitude que contradisse sua moral.

Arroz com Feijão: Wesley tem 12 anos e começa a se incomodar com o pai cansado de comer arroz e feijão. O garoto então tem a ideia de comprar um frango e assim dar de presente ao pai na hora da janta. Junto do amigo Orelha, vão à busca do dinheiro para realizar tal feito. É o mais engraçado e com roteiro bem interessante.

Concerto Para Violino: os jovens Márcia, Jota e Ademir seriam amigos desde os tempos de infância, se não fosse a separação obrigatória e os caminhos diferentes que cada um tomou. Ademir virou policial, Márcia entrou para o mundo da música e Jota virou traficante. Suas vidas aos 20 anos se cruzam e suas diferenças vão por em risco os sonhos da única que soube enfrentar a vida com certa dignidade, ou pelo menos tentou limpar à tempo o sangue das mãos. Dramático e com o toque de poesia, é triste e ao mesmo tempo expõe a polícia como parceira do crime para certos casos e como é difícil ser do bem e se livrar ileso da violenta realidade de seus amigos.

Deixa Voar: Flavio, é morador de uma favela carioca que por acidente deixa a pipa de seu amigo voar para o território tomado pela facção rival. O medo de entrar na região desconhecida acaba sendo deixado de lado quando compreende que não existe tanta diferença do local com a sua comunidade. O jovem aproveita e vai na casa de sua paquera da escola. Fica claro aqui o que comentei no início da análise, os próprios moradores são induzidos à sentir o medo de sua própria região, seja pelos traficantes ou pela mídia local.

Acende a Luz: na véspera de Natal falta luz no morro, deixando seus moradores em polvorosa. Os técnicos da companhia de energia são enviados, mas não conseguem resolver o problema. Outros chegam, entretanto, fazem o serviço com má vontade e vivem enrolando as pessoas. Eis que um funcionário acaba virando refém até que consiga resolver o problema - mas calma! tudo é tratado com muito bem humor e nem sequer aparece um vestígio de arma de fogo e sim as donas de casa prontas para dar umas na cara do pobre homem. Sozinho e em meio ao problema, o funcionário acaba cedendo e integrando a grande ceia da comunidade.

Os cinco curtas apresentam em seus protagonistas um sentimento em comum: medo. Seja o medo de perder a oportunidade única de seguir o sonho de se formar, o medo do pai traumatizado na infância por ter visto seu pai roubando uma galinha para dar o que comer à família e apanhando, o medo de ser policial e ter de seguir as regras impostas pelo tráfico e assim poder se livrar dos problemas mesmo estando do "lado do bem", o medo do outro lado da ponte onde vivem os inimigos, ou o medo de trabalhar naquela comunidade violenta com bandidos para todos os lados. E todos eles superam esse medo, ou pelo menos buscam uma alternativa para suprir esse sentimento. 5 Vezes Favela vem com a intenção de mudar - nem que seja um pouco - esse sentimento dentro do imaginário do brasileiro. Mas infelizmente ligar à TV e ver bandidos fugindo com armas tão pesadas quanto de verdadeiros guerrilheiros, levam a proposta por água à baixo e mais uma vez os moradores da favela ficam refém desse pesado nome, injusto e presos no estereótipo triste imposto pelos abutres que precisam deixar o sistema do jeito que está. Não que a favela seja um paraíso, mas também está longe de ser, apenas, totalmente o que se é pintado ao vivo na TV.

Trailer:

 

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