Filme não necessariamente explica filmes anteriores, mas completa um ciclo
Quanto maior a franquia, maiores são as possibilidades de erros e acertos. E como em Hollywood o lucro é essencial e precisa vir logo, muitas se perdem com roteiros mal desenvolvidos, escolhas equivocadas no elenco e até mesmo exageros caros em efeitos especiais. Desde Homem Aranha (2002) até o sopro de criatividade e realidade de Batman - O Cavaleiro das Trevas (2008), os super heróis continuam os mais lucrativos temas para filmes deste início de século. Em um ano com tantas apostas, muitos acertaram e outros erraram nesses últimos anos, e os dois últimos filmes do X Men são a prova disso. Recontar uma das mais populares franquias parece ser uma ideia ousada, mesmo que esse caminho se mostrou ser a moda do momento. Com Batman trilhando uma nova carreira, desta vez, brilhante nas mãos de Christopher Nolan, era hora dos mutantes terem uma nova chance.
X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class, 2011) é o tipo de recomeço que tenta acertar pegando os melhores ingredientes de tudo que já foi feito. Seja nos personagens mais interessantes, porém menos trabalhados, nas questões levantadas e que passavam alguma reflexão e mensagem, a dosagem de efeitos especiais, o equilíbrio de tramas e personagens, entre outros. Se fosse comparar, este novo filme, é como se fosse uma versão clássica do segundo filme dos mutantes, sem, obviamente, trazer Wolverine, que roubaria a cena pela popularidade e, certamente, atrapalharia o desenvolvimento da história. Mas faz falta, principalmente ao aparecer sendo sarcástico numa pequena e cômica ponta. Tirando esse detalhe feroz, tudo esta lá: a história mal resolvida dos líderes Professor Xavier e Magneto, a questão de aceitação e preconceito, o sentimento de solidão de cada mutante - mas que logo os leva a catarse quando descobrem outros iguais à eles -, e os ideais diferentes - assim como existem humanos com diferentes lados para lutar e defender, o mesmo ocorre com os mutantes.
Em âmbito universal, Erik Lehnsher (Michael Fassbender), antes de ser Magneto, busca uma vingança pessoal, mas ao mesmo tempo trabalha dentro de si as mesmas ideias que seu inimigo, Sebastian Shaw (Kevin Bacon) líder do Clube do inferno, defende - criar uma tensão entre governos mundiais e se aproveitar isso, para se impor ao mundo. Enquanto isso, Charles Xavier (James McAvoy) luta de forma pacífica para encaixar de alguma forma seu conceito de evolução da genética, sem que isso desencadeie o ódio e o preconceito - felizmente temos a construção de um líder imperfeito, mas com uma ideia altruísta e, talvez, utópica comovente. Outra importante vertente é da aceitação própria, que dois personagens (escolhidos por apresentarem características físicas mais relevantes) levam para a tela com parâmetros diferentes: o Fera (Nicholas Hoult) e a Mística (Jennifer Lawrence). Se nos outros filmes a Mística servia como um apelo visual e até sensual, aqui ela ainda tenta aceitar quem é. Seu irmão adotivo, Xavier defende que ela precisa se adequar ao mundo dos humanos, já Magneto defende sua liberdade e amor próprio - impor sua realidade. Do outro lado, o Fera vive o dilema, mas não pensa em deixar seus instintos florecerem. Ele luta contra si, mas perde a luta e acaba obrigado, a se aceitar - o caminho que vão escolher tem a ver com o caráter.
A mensagem de aceitação nesses dois conceitos diferentes também foi trabalhada no segundo filme, da qual, assim como ocorre neste, personagens trocam de lado depois de verem o que realmente faz sentido para eles, se o Pyro (feito na época por Aaron Stanford) foi pro lado oposto, o mesmo ocorre com Angel (Zoe Kravitz), numa cena menos interessante. No terceiro filme, a Vampira (que deu reconhecimento a Anna Paquin) mesmo toma a atitude de ser "curada". Ou seja, X Men Primeira Classe recicla e até repete essas características tão interessantes, sem parecer redundante, e trabalha na intenção, não de trazer algo de novo, e sim lembrar o que é a verdadeira essência dos quadrinhos, sem importar em seguir detalhadamente o universo inventado. Essa essência foi perdida nos dois últimos filmes, mesmo que no terceiro, ela devia ser o centro da história. O preconceito vem logo em seguida, e isso fica evidente no final do filme, que prepara o público para o passo seguinte, que é a busca dos direitos dos mutantes ou sua aniquilação pelos novos inimigos. O próprio Striker está lá, pronto para se tornar um dos grandes vilões da mitologia. Enquanto, na outra vertente, Magneto se prepara para o combate.
Mas, X Men: Primeira Classe serve como diversão, além de reflexão. E de qualidade. A presença de Bryan Singer no roteiro, remete aos dois primeiros filmes, que são sem dúvidas os melhores. A direção de Matthew Vaughn trouxe a jovialidade que um prequel necessita, conseguindo fugir de exageros, inserindo diversos alívios cômicos e boas cenas de ação. A direção de arte merece destaque, pois a contrução dos anos 40 e depois 60, são bem conduzidas. O mesmo diga-se para as atuações de Fassbender e McAvoy que seguram o tom, na ausência de grandes nomes como Hugh Jackman, Halle Berry, Patrick Stewart e Ian McKellen. Da até pra ver perceber o talento dos jovens Nicholas Hoult e de Jennifer Lawrence - inclusive indicada ao Oscar por Inverno da Alma.
Infelizmente algumas coisas não caíram tão bem, assim como nos outros filmes. Se a Mistica ganhou mais destaque, sobrou para Emma Frost (January Jones) servir como um apoio sem aprofundamento e que, por isso, desequilibra o tom, já que sua personagem tem lugar importante na trama. Fica uma impressão que ela está ali apenas pela beleza e por fazer Mad Men, que se passa na mesma época, levando algum tipo de credibilidade aos créditos. Pior ainda são as pontas soltas em relação aos outros filmes, mesmo que não seja fiel com as histórias em quadrinhos, e nem é a intenção de servir como base para os outros quatro filmes, mas é um tanto decepcionante ver a presença de Alex Summer (Lucas Till), irmão mais novo do Ciclope, sendo que ele nem havia nascido nessa época - seu irmão aparece novinho no filme do Wolverine. Fica um gosto estranho, que nem mesmo os leigos dos quadrinhos dificilmente não perceberiam. Essa discrepância é sentida principalmente quando, bem antes, o filme começa com a mesma sequência do primeiro longa de 2000, no holocausto nazista e Erik pela primeira vez expondo seus poderes quando magoado e com raiva.
É frustrante saber que apenas agora a franquia finalmente conseguiu empolgar como em seu início, depois de tentativas frustradas. E perigoso, pois o público já esteja suficientemente cansado de provar cada dose dessas franquias e que no geral decepcionam com equívocos que visam apenas o lucro. X Men: Primeira Classe é um filme que deve ser descoberto, consumido sem pretensão, e que sirva para relembrar sobre essa história tão importante sobre aceitação e preconceito, principalmente em épocas com uma sociedade tão intolerante como é a nossa. Como bom exercício, basta trocar a característica mutante, para diversos outros termos, e a metáfora se confirma na realidade. Afinal, a "gente diferenciada", não existe para por medo, e sim para desafiar a sociedade à trabalhar seus preconceitos e construir um lugar mais justo e humano.
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